Por Dario Passos
Pandemia, palavra desgraçada. Não apenas a palavra em si, mas tudo que a envolve.
O perigo de contaminação e o medo que a pandemia gera são reais. Em razão disso, tivemos a suspensão das aulas nas escolas públicas e privadas do Brasil, o que também aconteceu em todo o mundo. Mas daí surgiu um primeiro grande problema, constatado em diversas escolas e entre diversos/as estudantes e educadores/as: a dificuldade de adaptação aos novos tempos de aulas online. Para entendermos estas dificuldades, sigamos algumas etapas:
Primeira – aulas suspensas. Imediatamente os governos surgem com soluções mágicas e gerencialistas, introduzindo plataformas de ensino remoto e aulas online controladas por Google e Microsoft, entre outras empresas. Tais empresas coletam nossos dados pessoais e tornam nossa educação completamente vigiada e controlada por organismos internacionais, Secretarias de Educação, direções e coordenações de escolas, afetando não só nossa autonomia pedagógica, mas também rebaixando e precarizando ainda mais o trabalho docente. Tais fatos também contribuem para revelar como o capital se adapta facilmente aos novos tempos;
Segunda – dificuldades de acesso. Discentes das escolas públicas (e das privadas) não possuem treinamento e adaptabilidade para um ensino remoto emergencial. O mesmo está acontecendo com os/as docentes. Internet no Brasil além de ser algo caro, é de péssima qualidade. A maioria dos/as alunos/as e alguns/algumas professores/as não possuem redes de dados necessários para estudar/lecionar e, quando possuem, muitas vezes têm dificuldades em razão da difícil adaptação;
Terceira – exclusão digital. A maioria dos/as estudantes não possuem aparelhos tecnológicos adequados para seus estudos. Celular não é o melhor meio para leitura e realização de atividades online e existe também a impossibilidade do consumo de dados de redes móveis para se acessar as plataformas de ensino impostas pelas secretarias de educação. A mesma dificuldade de acesso está sendo enfrentada por diversos/as educadores/as. Portanto, aqueles/as discentes e docentes que não têm tecnologias apropriadas e internet de qualidade estão sendo excluídos digitalmente, um refluxo da exclusão social tão evidente;
Quarta – ambiente não adequado para estudos. Em pesquisa feita com estudantes, detectou-se que a maioria não tem um ambiente próprio em casa para estudar. Não existe também uma possibilidade de adaptação imediata a essa nova realidade que surge como novidade para todos/as. Casas pequenas, muitas vezes com outras crianças (o que tira a atenção), tem sido relatado cotidianamente por discentes e docentes como empecilho para as práticas pedagógicas. Dar aulas ou estudar na cozinha, banheiro, em salas e quartos apertados, não é a solução!
Quinta – problemas de ansiedade, depressão e violência doméstica. Diversos/as estudantes e também professores/as têm declarado que não conseguem se concentrar ou preparar aulas em razão da ansiedade, que tem afetado todos e todas em tempos de pandemia. A depressão também tem sido comum, já que viver em isolamento social não é algo tão simples quanto desfrutar de férias. A saúde mental não está sendo garantida neste momento e o estado, municípios e os sindicatos não têm dado muita importância para esses fatos. Já a violência doméstica também tem sido frequentemente relatada e tem aumentado consideravelmente em tempos de quarentena, com jovens e adultos/as confinados/as. Tais fatores os impede, mais uma vez, de ter a possibilidade de estudar e mostram que, neste momento, o mais importante é o cuidado e a preocupação com casos que não só afetam a saúde mental e sanitária, mas também configuram abusos seríssimos cometidos dentro do ambiente familiar.
Sexta – Todas essas etapas se somam a uma última, não menos importante, mas que deveria ser a mais evidenciada neste momento de pandemia: a necessária segurança alimentar! Nesse caso, infelizmente, temos notado uma despreocupação governamental incontestável. A dificuldade que muitos responsáveis e alunos/as do EJA estão enfrentando para ter acesso ao auxílio emergencial federal, além do desemprego e da falta de alternativas para gerar renda têm gerado muito desconforto e alertou uma série de grupos de educadores/as, pais, mães e educandos/as para este problema.
Com denúncias constantes ao Ministério Público, aos órgãos da imprensa e aos sindicatos, evidenciou-se que o isolamento social trouxe consigo a falta de alimentação dos/as estudantes que, muitas vezes, tinham na escola sua única refeição diária. A solução que a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro trouxe no início, por exemplo, era a abertura das escolas para oferecer almoço para os/as educandos/as. Tiveram que recuar após denúncias, pois em tempos de necessário isolamento social abrir escolas era o mesmo que expor trabalhadores/as da educação e estudantes ao perigo de se contaminarem.
Após inúmeras idas e vindas, a SME do Rio de Janeiro resolveu doar cartões de alimentação para os/as discentes beneficiados/as com o bolsa família. Mais uma solução excludente, já que grande parte dos/as estudantes que não recebem tal auxílio ficaram sem os tais cartões. A terceira solução da SME: doar cestas básicas. Mais uma vez esse método não se demonstrou eficiente até o momento, pois através de contatos feitos com alunos/as e responsáveis soubemos que até a presente data quase nenhum/as deles/as recebeu tais cestas.
Outro péssimo exemplo, a Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro desde o início tem prometido doar cestas básicas. Após pressão sofrida por denúncias feitas à Defensoria Pública, o secretário Pedro Fernandes ameaçou reabrir as escolas para servir merenda. Após críticas e novas ameaças da Defensoria Pública, recuou e resolveu distribuir cestas básicas. Tais cestas, inicialmente, eram completamente deficitárias e custavam entre 12 e 17 reais cada, não duravam uma semana em uma família de 4 pessoas, atingindo menos de 10% dos/as estudantes. A alegação do Secretário de Educação era de que a obrigação do estado era alimentar o/a estudante e não a família. Novas denúncias feitas e mais um recuo. Agora, as cestas estão mais completas, custando entre 50 e 80 reais cada, mas com um novo problema: nem todos/as os/as alunos/as foram beneficiados/as mais uma vez. Em algumas escolas, menos de 50% dos/as discentes ficaram sem receber cestas básicas, o que é um crime!
Antes mesmo destas constatações absurdas, muitos/as trabalhadores/as da educação, estudantes, sociedade civil e responsáveis resolveram se organizar nas escolas. Em campanhas de solidariedade e apoio mútuo, para sanar esse grave problema, eles têm feito vaquinhas online para arrecadar fundos e doações para a compra de materiais de higiene, limpeza e alimentação, buscando suprir a necessidade emergencial das milhares de famílias afetadas diretamente pelos problemas decorrentes do desemprego, da falta de alternativas e da segurança alimentar. As campanhas de solidariedade de classe e de apoio mútuo emergencial podem e devem gerar bons frutos para um momento de pós-pandemia. Os comitês, estabelecidos nas escolas, também precisam servir de exemplo para que, em suas características de organização, as escolas estejam minimamente supridas por sanar questões locais. Por fim, é importante enfatizar que todo esse apoio se deu à revelia dos governos genocidas.
Um mundo novo deve insurgir após este momento de pandemia. A luta contra o ensino remoto, no que diz respeito à educação, é um dos principais aspectos dele. Aulas presenciais são essenciais para o desenvolvimento pedagógico e não podemos abrir mão delas. Isso fica evidente com a exclusão digital de estudantes e professores/as, como destacado acima, e esse aspecto não pode ser ponto passivo em nosso debate. Não podemos tolerar a ingerência de organismos internacionais e nacionais, envolvidos no gerencialismo escolar, nas questões pedagógicas tão caras a nós e muito menos indicar um projeto de “ensino híbrido” que dê conta da educação, quando sabemos que a maioria de nossos/as estudantes (cerca de 80% ou mais) estão excluídos social e digitalmente.
Um outro aspecto deste novo mundo pós-pandêmico é a necessária organização de classe, pelas bases (locais de trabalho, ruas, bairros) contra a precarização das nossas vidas. A mesma vai vir com maior força após o isolamento social. Por isso, nos fortalecer para garantir o mínimo de autodefesa entre nós se faz mais do que necessário. Aproveitar este momento, se envolver em grupos de solidariedade, estar presente nas ações diretas de apoio mútuo, tudo isso se faz também necessário. É essa organização que vai gerar frutos benéfico para enfrentarmos um futuro sombrio que se aproxima para a classe trabalhadora.
Portanto, ou somos nós por nós, nos garantindo pela sobrevivência, ou decretamos nossa morte ante a crise não só do capital (que nos atacará com mais força ante a pandemia), como também da falta de empregos e alimentos. Sendo educadores/as de escolas públicas, temos dois papéis fundamentais:
- Lutar contra as impositivas aulas remotas excludentes, exigindo que o único protocolo aceitável de retorno das aulas presenciais seja uma vacina (não existe paradoxo nisso, daí a exigência da suspensão do ano letivo para uma posterior discussão do calendário, desvinculando este ano letivo do ano civil);
- Neste momento de pandemia, garantir a segurança alimentar de nossos/as alunos/as organizando-se nas escolas através de comitês de apoio mútuo e solidariedade de classe (envolvendo profissionais da educação, estudantes e familiares), o que poderá ser aproveitado positivamente em momentos de pós-pandemia.
Se você não é trabalhador ou trabalhadora de escola pública, organize-se por bairro ou locais de trabalho em um sentido de solidariedade de classe e não aceite o trabalho remoto imposto sem uma ampla discussão com seus sindicatos ou com a classe que a você pertence em seu local de trabalho. Tem sido comum a reclamação de trabalhadores/as de diversas áreas quanto ao acúmulo de funções e de falta de hora de trabalho pré-definida. Não aceite responder ao ZAP ZAP do patrão ou da patroa fora de seu horário de serviço, por exemplo. Nada de responder mensagens em finais de semana, madrugadas ou fora de seu horário. Não aceite a precarização e rebaixamento de seu trabalho!
Para quem está sendo ameaçado/a pelo trabalho remoto, nossa solidariedade total e irrestrita. Exijam equipamentos de proteção individual e não aceite trabalhar sem condições mínimas de higiene. Cuidem-se todos e todas e cuidemos cada um de nós, entre nós, porque se dependermos de patrões e governos, nossa morte estará decretada.
Para quem está desempregado/a ou tendo dificuldades de acesso a programas emergenciais de governo, busque contato com organizações civis em seus bairros. Muitos programas de solidariedade de classe têm se construído nestes momentos de pandemia e tamanho apoio mútuo é importante para que possamos sanar nossos problemas que, mesmo que não sejam resolvidos por completo e de forma imediata, pode nos servir para encontrarmos uma solução vindoura. Não desistam: se organizem e lutem pelos seus direitos!