Por José Maria de Carvalho
Certa vez um famoso geógrafo e militante anarquista chamado Piotr Kropotkin disse que “o princípio da ajuda mútua é o fundamento necessário da vida cotidiana”. Essa frase pode parecer vazia e genérica num primeiro momento, mas tem uma profundidade que o próprio autor elaborou em uma de suas obras escritas. “Ajuda Mútua – um fator de evolução” foi lançado nas primeiras décadas do século XX.
No livro, Kropotkin estabelece que a ajuda mútua vai além das ações humanas e das suas instituições, mostrando que até outras espécies animais desenvolvem essas ações para se salvarem. A ajuda mútua sempre acompanhou a humanidade ao longo da história e o autor em questão queria mostrar, naquela época, que não era apenas a competição que nos movia de tempos em tempos nos fenômenos históricos e acontecimentos cotidianos.
Quando se fala de ajuda mútua não estamos falando de algo abstrato ou corriqueiro. Ajuda mútua é, por exemplo, fortalecer os trabalhadores(as) de aplicativo quando esses fazem uma greve por melhoria de direitos, melhores salários e contra a superexploração da sua mão de obra. Ajuda mútua também é buscar se solidarizar com a população de periferia que desde sempre sofreu com a violência de Estado e políticas de exclusão social e que, nessa pandemia, vem sofrendo ainda mais com a falta de saneamento básico, alimentação e necessidades essenciais, uma vez que tais carências só colaboram para que se contabilizem, a cada dia, mais mortes e pessoas infectadas.
Porém, vale dizer que sempre houve e ainda há muita resistência a todo esse contexto nos territórios de favelas e periferias em geral e tal resistência não seria possível sem ajuda mútua. Seja nos mutirões para levantar habitações, conseguir água para as pessoas beberem e brigar por direitos contra desmandos cotidianos das instituições. Dessa forma, a ajuda mútua também pode se dar exatamente em se colocar à disposição de estar ombro a ombro para divulgar as lutas e apoiar do jeito que puder essa população que desde sempre sofreu nas mãos do Estado.
A ajuda mútua é trabalhar coletivamente para que nenhum ser humano explore o outro, em lugar algum do mundo. É entender que ninguém pode ser considerado refugiado de forma ilegal, pois a nossa pátria é o mundo. E a solidariedade não possui fronteiras.
Ajuda mútua é entender que não existe escola e nem aula sem estudantes, funcionários da limpeza, inspetores ou porteiros. Não existem obras lindas e modernas sem os pedreiros. Não existe pão na nossa mesa sem a força de trabalho do camponês que planta o trigo. Todas essas formas de trabalhar precisam ser entendidas de forma conjugada, já que sem uma função dessas a sociedade não funciona e não é por conta do patrão que as coisas estão de pé, mas porque há uma comunhão de trabalho e ajuda mútua num sentido geral entre os debaixo. Por isso, a solidariedade também se expressa nos boicotes coletivos à produção e exploração de patrões que só sugam a força de trabalho dos operários e da classe trabalhadora em geral.
Além disso, estar presente e dar apoio às lutas contra o racismo, machismo e homofobia, mesmo se a pessoa for heterossexual, do sexo masculino e branco também é uma forma de solidariedade.
Portanto, é preciso, a todo instante, fortalecer a ajuda mútua, a solidariedade entre os que estão sendo explorados há séculos e construir alternativas a esse sistema que desde sempre se construiu na base da competição e não consegue, de forma alguma, tolerar formas de associação entre coletividades que se ajudam mutuamente para transformar tanto a sua realidade e quanto de companheiros ao lado, expandindo esse leque, e colocando medo naqueles que se sustentam a partir do estímulo à competição e da exploração das classes mais desfavorecidas.
É… Kropotkin quis dizer mais ou menos isso no início dos anos 1900, mas estamos vendo que essa ideia é mais atual do que nunca. Podemos então resumir em uma frase esse ensaio: SÓ O POVO SALVA O POVO!