Por Enrico Barreto
Com o uso de aparelhos coercitivos, a elite tem se mantido no poder desde há muito tempo no Brasil e no mundo. A classe trabalhadora – historicamente explorada e controlada por esse sistema – é vítima dos diversos modos de vigilância e violência (seja ela pública, ou privada) quando tenta quebrar essa barreira social na busca por seus direitos.
Os primeiros casos de infecção por covid-19 detectados na província de Wuham, fortaleceram uma nova era de relações interpessoais e econômicas. Esta nova era epidêmica que atualmente estamos vivendo possibilita o aumento do grau de controle e vigilância sobre os corpos e, essencialmente, sobre suas formas de ação e trabalho. Tais formas de controle, desde há muito existentes, agora se intensificam. São câmeras de vigilância, de reconhecimento facial, celulares controlados remotamente por GPS, drones (quem sabe muito em breve bioships?) sendo utilizados por governos da Coreia do Sul, Israel, China, França, Espanha, Bélgica, Estados Unidos, Itália e Hungria com o intuito de controlar o movimento dos corpos, atuando – de forma invasiva – sobre sua autonomia e liberdade de ação.
Além do controle dos corpos, também há fronteiras fechadas, bairros, cidades, comunidades sitiadas. A um passo do controle sobre a mídia (Orbán, primeiro-ministro na Hungria, acaba de ter delegado pelo parlamento o direito a “governar por decretos”), temos governos desavergonhados que ensaiam seus interesses íntimos por poderes ditatoriais.
Em simultaneidade com tais limitações, há uma pandemia que ameaça atingir os socialmente “indesejáveis” de maneira brutal, como os(as) moradores(as) das favelas – muitos sem saneamento básico ou água – e, consequentemente, estabelecer uma “necessidade” de vigilância constante para impedir a sua disseminação entre as classes mais abastadas, responsáveis diretamente por trazer o covid-19 para estas terras.
Precisamos ter cuidado na maneira como lidamos com tudo isso. Ao mesmo tempo que é importante impedirmos a disseminação do covid-19, estamos dando brechas para que a caixa de Pandora se abra de forma irreversível. E de uma forma nova, quase distópica, onde as máquinas (que não possuem vontade própria ainda, diga-se) substituem o controle sobre os corpos de forma regulada, remota, podendo se tornar a moda pós-pandêmica. Não que isso já não tenha existido antes, mas agora pode se dar de forma mais intensa, virtual, e que pode não ter mais volta.
A infoproletarização, que já existe há algum tempo – não sem críticas -, se intensifica e essa é a principal solução imediatista(?) que o grande capital está retirando de sua cartola. São professores(as) e alunos(as) sendo controlados(as) remotamente por aplicativos e programas de ensino à distância, trabalhadores(as) de entregas e motoristas reféns de aplicativos de forma cada vez mais acentuada e precarizada e ainda expostos a um vírus mortal. Teme-se que muito em breve haverá trabalhadores(as) de telemarketing atuando em home office. Até mesmo ENEM digital já pretendem fazer este ano em um modelo-teste com 100 mil estudantes.
Projetos de exploração e intensificação do trabalho remoto sempre estiveram engavetados, só aguardando uma oportunidade para surgirem como solução emergencial em casos de guerra ou epidemia. Em prática há algum tempo em empresas como Uber, Rappi e Amazon; encontrados do norte ao sul do mundo, tais projetos têm servido parta criar um novo modelo de cyberproletariado controlado por aplicativos que pagam subsalários e exploram a classe trabalhadora através de ranqueamentos ou vigilâncias sobre o consumo. Nada para o capitalismo é perda, pois sabe muito bem se adaptar às novas realidades que aparecem nas adversidades. Em contrapartida, embora tenhamos uma sociedade faminta, desejosa por trabalhar para poder se alimentar e que também sabe se adaptar às adversidades em momentos críticos, não irá suportar tais abusos calada por muito tempo.
“Quem tem fome tem pressa”…
O iminente despertar da classe trabalhadora é o que tanto temem as elites. Não por acaso soluções liberais, como o neo-keynesianismo, ressurgem com força no discurso de muitos desses líderes mundiais. Temem revoltas populares, quem sabe revoluções. Por isso, farão de tudo para impedi-las. Aí é que reside o perigo, uma vez que, nos dias atuais de uso de celulares, não é muito difícil manter o controle sobre os corpos e suas vontades.
Através de geolocalização, os detentores de capital são capazes de descobrir nossos movimentos e através de aplicativos de vigilância podem controlar nossos acessos e conversas. Isso já vem sendo usado há anos, mas pode-se intensificar nesta era de caos pandêmico. Um líder político com desejos íntimos ditatoriais, como Viktor Orbán, ou o próprio Jair Bolsonaro, podem realizá-los em dois tempos. O primeiro-ministro húngaro teve apoio amplo do parlamento recentemente, já o brasileiro se encaminhava para isso quando foi pego de surpresa pela crise pandêmica.
Bolsonaro, enfraquecido politicamente neste final de mês de Março de 2020 por suas declarações e ações estapafúrdias e muitas vezes baseadas em distorções dos fatos em um momento de caos mundial, segue os passos de seu ídolo Orbán com o apoio das milícias estaduais, federais e militares que até há bem pouco tempo atrás estavam botando suas arminhas de fora. Também com apoio de uma elite branca, racista, além de setores cristãos corrompidos pela gana financeira, ou empresários enriquecidos nessa nova era de mamadeiras de pirocas e kit gays e antes mesmo desta nova era da pós-verdade, ele tenta acionar tais forças em seu favor. Esses apoiadores ainda o fazem em desespero, mas se limitando às redes sociais com seus robôs, projetos de milicianos, classe média branca, cristãos alienados, reacionários de toda espécie. Porém, seu destino, neste atual momento, é o isolamento e a queda.
As pessoas, isoladas, agora organizam-se localmente, em redes. O apoio mútuo e a solidariedade sempre existiram, mas nunca estiveram tão em voga. Assim sendo, bases pré-organizadas conseguem dar dois passos à frente no enfrentamento deste caos, apoiando aqueles mais necessitados e, numa corrente de apoio mútuo, chegando onde há o abandono absoluto do estado. O vigiar e o punir dos corpos indesejados, sempre existentes, ainda não se fizeram presentes de forma remota nessas bandas porque os governos foram pegos de calças arriadas ante a pandemia. Mas o desejo de que os trabalhadores e idosos morram, isto é, que sejam eliminados, não desapareceu das mentes sujas de uma elite chula e reacionária. E até intensificarem suas táticas de vigilância por dispositivos eletrônicos, disso não devemos estar muito distantes.
A classe trabalhadora precisa se reorganizar, adaptando-se a esta nova realidade e tendo ciência de que não é o capital que nos vai salvar. O capital, ainda desejoso de nossas almas, continuará a tentar nos endividar, nos mantendo preso à grande roda. As soluções trazidas à tona pela ala econômica ultraliberal do presente governo apontam neste sentido, liberando 1,2 trilhões de reais para bancos e acionistas e deixando a ver navios, até o momento, a classe trabalhadora, micros, pequenos e médios empresários, além de desempregados, pequenos produtores rurais e autônomos. Para impedirmos isso precisamos estar atentos e fortes em nossos locais de trabalho, bairros, ruas, cidades. Ajudando-nos uns aos outros, observando uma crítica às vontades individualistas e praticando o apoio mútuo e a solidariedade de classe. Isso poderá nos libertar dos grilhões.
Portanto, precisamos agir rápido. Mais rápido do que os poderosos para que a classe trabalhadora desperte. Antes que seja tarde demais e medidas mais duras de controle social sejam estabelecidas por aqui. Eles têm o controle das armas, do poder de punir, de nossos CPFs, mas não seriam muitas essas forças para impedir o avanço organizado de uma massa de milhões de trabalhadores famintos contra as fileiras milicianas sedentas por nosso sangue.
Na China, enquanto drones controlam a temperatura do corpo das pessoas, câmeras de reconhecimento facial incriminam inocentes e lhes dão ordens para que se retirem das ruas. Já no Brasil temos um governo terraplanista, motivo de piadas nacionais e internacionais que nega o perigo real do contágio e possível morte de milhares, quem sabe milhões, de pessoas ante a crise epidêmica. O que antes era tido como “cômico” por setores da sociedade, com suas opiniões absurdas e tidas como de um “bonachão” sem noção opinando sobre o que não sabe destrinchando preconceitos enraizados estruturalmente, agora deixou de ser em razão do covid-19. O isolamento de Bolsonaro, o imbecil reacionário, pode trazer por trás de si um movimento de se estabelecer um estado de sítio, grande desejo de militares de pijama e outras castas das mais asquerosas da elite nacional. Aquilo que o nosso vão presidente não conseguiu estabelecer pode ressurgir na imagem de um Mourão ou Moro da vida.
Nossas armas devem estar além do uso criptografado de tecnologias. Precisamos agir localmente, em um modelo de ações rápidas e coordenadas, para atacar o capital ainda um tanto perdido ante a crise pandêmica, que se reorganiza rapidamente e já cria soluções keynesianas e/ou totalitárias para ela. O momento é agora e uma oportunidade como essa não vamos ter em tempos, se é que vivenciaremos esses novos tempos, pois banqueiros, acionistas e empresários diretamente atingidos não querem perder seus lucros e seus(suas) escravos(as) de vista, sejam eles(as) controlados(as) por tecnologias, a nova (e antiga) principal tendência, ou mais diretamente, através do seu violento aparato militar e policial.
O que temos a bradar? Greve geral! Uma greve geral organizada e revolucionária, provando que é a classe trabalhadora quem mantém todo o sistema capitalista funcionando e que sem ela tudo rui, o poder da burguesia decai e se corrói. Se não pensarmos nessa possibilidade, numa organização solidária, de apoio mútuo, local (seja no bairro ou local de trabalho) e organizada regionalmente, pronta para a autodefesa e apontando a necessidade de quebra das correntes que nos prendem ao grande capital, estaremos fadados a ver muito em breve o estabelecimento de estados cada vez mais totalitários.