Month: May 2020
[Editorial]
[Coluna] Educação Libertária Ontem e Hoje
Por Louise Maria de Carvalho
Na segunda metade do século XIX acontecem grandes avanços, principalmente na Europa, contra a ordem do sistema capitalista tanto em relação às teorias, quanto às práticas de lutas. A partir desse contexto, diferentes formas de socialismo surgem como alternativas ao modelo liberal vigente. Dentre essas correntes, uma que se destacou foi o socialismo libertário ou anarquismo que, devido aos seus princípios políticos, foi um dos pioneiros a incluir a educação como elemento fundamental para se atingir a revolução não apenas política, mas sobretudo social.
Um dos pressupostos que diferenciava o anarquismo das demais correntes socialistas seria – e continua sendo – a tática de atuação e os princípios que buscam uma transformação social que ultrapassa a ocupação de cargos no Estado para dirigir o processo revolucionário por meio de um partido específico. Para os anarquistas era necessário construir alternativas à concentração de poder nas mãos de apenas um líder em todos as áreas da sociedade, de forma concomitante e sem que nenhum setor social tivesse maior grau de importância ou valor do que outro.
Desse modo, a educação passa a ser um elemento que de certa forma unificava toda a classe trabalhadora na aspiração a um modelo de sociedade menos desigual, construído de baixo para cima. As chamadas escolas operárias para a classe trabalhadora e seus filhos e filhas eram fundamentais para não só instruir todos e todas no processo, mas também as próximas gerações. Por essa razão é que Proudhon e Bakunin – teóricos anarquistas – sempre levantaram, em seus escritos a bandeira por uma educação anticapitalista, antirreligiosa e antiestatista. Tal educação deveria ter como objetivo uma educação integral, buscando aliar as formações físicas e intelectuais dos estudantes a fim de romper com a dicotomia entre corpo e mente que temos na educação liberal-capitalista, isto é, a que já temos desde sempre, seja nas escolas públicas ou privadas.
Ao longo do século XX, tivemos diversas experiências educacionais libertárias em todo o mundo até hoje é possível relacionar tais princípios educacionais com a prática de diversos projetos de educação em todos os cantos do mundo. Atualmente a prática libertária na educação se insere tanto em projetos de alfabetização política e anticapitalista em ocupações urbanas e ocupações sem-terra, quanto na construção de uma educação quilombola e indígena fortalecendo seus territórios e suas culturas ancestrais; alcança até pré-vestibulares sociais e creches comunitárias, sejam em favelas ou outros locais periféricos de grandes centros urbanos e até mesmo em escolas que buscam transcender o currículo formal para desenvolver uma abordagem mais crítica, global, que integra os diversos saberes da nossa sociedade.
Portanto, afirmamos que a educação libertária apresenta uma crítica direta à educação tradicional, oferecida pelo capitalismo, tanto em aparelhos estatais de educação quanto nas instituições privadas. Tal crítica se dá principalmente às escolas ligadas a gestões de ordens religiosas com caráter ideológico e político que reproduz a exploração e a dominação das classes privilegiadas no sistema capitalista dentro do âmbito escolar.
As ocupações escolares que aconteceram nos últimos anos revelam que esse processo de crítica à educação tradicional provida pelo capital continua presente. Sendo assim, acreditamos que uma educação popular e libertária que busque a autonomia de forma coletiva como alternativa ao sistema vigente são caminhos viáveis para uma possível emancipação política e social das circunstâncias na qual vivemos. Isto é, um contexto de globalização econômica, projetos cada vez mais capitalistas e reacionários que adentram o campo da educação e um viés neoliberal que assola as populações marginalizadas, seja no Rio de Janeiro ou em outros grandes centros urbanos do Brasil, no Chiapas – México e em outros países da América Latina, ou qualquer outro lugar do mundo em que a desigualdade social predomina.
[Poesia] Erupções
[Artigo] Direito à Educação em tempos de coronavírus
Por Carlos Marques Lacerda
Os tempos são estranhos e perigosos. Por um lado, a ameaça invisível de um vírus perigoso parece ser um sinal letal para que não saiamos de casa. Por outro lado, um desgoverno autoritário parece fazer de tudo para que todos se infectem o quanto antes, numa arquitetura sórdida que selecionará apenas os sobreviventes, provavelmente os que possuem melhores condições financeiras para suportar a crise sanitária e econômica.
Os tempos são duplamente estranhos e perigosos, pois tempos de pandemia são também ótimas janelas de oportunidade para tiranias avançarem em seus projetos de poder, aplicando medidas autoritárias que garantam o maior controle sobre o povo, retirando das pessoas os poucos direitos que possuem. Direitos esses conquistados a partir de muita luta. Perder um direito é também esquecer o quanto de luta e sangue foi dado para conquistá-lo.
Por isso, talvez mais do que nunca, seja tão importante sabermos nossos direitos. Não porque uma lei no papel vá garantir algum direito substancial e verdadeiro, mas porque, se está no papel na forma de uma lei, é porque esse direito custou muito sangue e muito esforço de nossos antepassados.
Um desses direitos é o direito fundamental à educação. Não qualquer educação, mas uma educação igualitária, universal, de todos e para todos, e, sobretudo, de qualidade. Então, o que dizem as leis do nosso país sobre o Direito à Educação? Como professores(as) e alunos(as) podem, neste momento de crise, debater a educação? Seria o Ensino à Distância (EaD) uma solução?
A Educação na Constituição
O direito à educação está em primeiro lugar na Constituição Federal, onde a educação é tratada como um direito de todo(a) cidadão(a) brasileiro(a), independentemente de sua condição social, gênero, raça, opinião política ou qualquer outra distinção. Ela é vista como algo que deve ser oferecida com igualdade de condições, com liberdade, que deve ter uma gestão democrática e observar um padrão de qualidade. Diz o art. 206 da Constituição:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII – garantia de padrão de qualidade;
Dessa maneira, independente do que façamos, se adotaremos como educação o ensino à distância nestes estranhos tempos de pandemia ou não, devemos sempre observar esses princípios básicos do direito à educação. Afinal, mesmo que achemos uma boa ideia as aulas online, ainda assim elas devem ser ofertadas democraticamente, com igualdade de condições, resguardando a liberdade de ensinar e aprender, ao mesmo tempo em que devem manter o padrão de qualidade, na medida do possível, das aulas presenciais.
Isso nos leva a uma importante conclusão: no Brasil, a educação segue uma regulamentação, não sendo permitido ofertar educação regular de qualquer maneira, sem cumprir as normas mais básicas ou sem respeitar os direitos e princípios mais fundamentais.
A segunda lei que podemos conferir é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), pois é ela que disciplina, de forma bem ampla e geral, toda a educação brasileira. Nela, muitas ideias já contidas na constituição são repetidas:
Dos Princípios e Fins da Educação Nacional
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
VII – valorização do profissional da educação escolar;
VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
IX – garantia de padrão de qualidade;
Educação à Distância (EaD)
Mas o que mais importa aqui é o que LDB diz sobre aulas à distância. Afinal, essa tem sido a solução mais frequentemente apresentada pelos governos para lidar com a suspensão das aulas por conta da pandemia de Covid-19. Declaram os governos: “Se não se pode aglomerar em escolas, que o ensino seja à distância!” Mas seria mesmo uma boa ideia?
Diz a LDB sobre o EaD no Ensino Fundamental e Ensino Médio:
Art. 32. § 4º O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.
Art. 32. § 4º O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.
Art. 36. § 11. Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação à distância com notório reconhecimento, mediante as seguintes formas de comprovação:
I – demonstração prática;
II- experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar;
III- atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino credenciadas;
IV- cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;
V- estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras;
VI – cursos realizados por meio de educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias.
Trocando em miúdos, o Ensino à Distância é previsto na Lei que organiza a educação brasileira para o Ensino Fundamental, mas apenas como forma de complementação e para situações emergenciais. O que pode até ser o caso, mas a regra continua sendo o ensino presencial e o EaD como complemento.
Vejamos o que diz o Decreto nº 9.057 de 2017, que regulamenta o EaD:
Art. 9º A oferta de ensino fundamental na modalidade à distância em situações emergenciais, previstas no § 4º do art. 32 da Lei nº 9.394, de 1996, se refere a pessoas que:
I- estejam impedidas, por motivo de saúde, de acompanhar o ensino presencial;
II – se encontrem no exterior, por qualquer motivo;
III – vivam em localidades que não possuam rede regular de atendimento escolar presencial;
IV – sejam transferidas compulsoriamente para regiões de difícil acesso, incluídas as missões localizadas em regiões de fronteira;
V – estejam em situação de privação de liberdade;
VI – estejam matriculadas nos anos finais do ensino fundamental regular e estejam privadas da oferta de disciplinas obrigatórias do currículo escolar.
Já no que diz respeito ao Ensino Médio, a EaD é permitida, mas desde que na modalidade de convênio com uma instituição reconhecida, dando a entender que o Ensino Médio pode ter a colaboração do EaD, mas apenas de maneira a complementar às habilidades e competências previstas para serem satisfeitas nas instituições de ensino presenciais regulares. A ideia é que o Ensino Médio, um ensino que habilita o estudante à pesquisa e a competências mais técnicas, possa firmar parcerias a fim de ofertar tais conhecimentos específicos, não encontrados nas redes de ensino básico. Um aluno num itinerário formativo, digamos, de Matemática e suas Tecnologias, poderia, por exemplo, cursar disciplina num centro de Ensino à Distância de matemática de uma universidade. A ideia, novamente, é a complementação, não a substituição.
Conteúdo Online
Já podemos compreender com clareza do que se tratam, portanto, as propostas realizadas por diversos governos estaduais e municipais acerca do ensino em tempo de pandemia. Aos poucos, escolas, gestores e órgãos governamentais vão se convencendo de que a implementação geral do Ensino à Distância para dar conta da educação em tempos de corona vírus não é factível. Primeiro, porque não encontra respaldo na legislação. Segundo, porque, mesmo havendo autorização legal, a EaD é uma modalidade muito específica de ensino, de modo que sua implementação não é viável neste momento, quer por falta de recursos tecnológicos para todos, quer porque sua realização dependeria, em algum nível, de atividades presencias e um planejamento extenso inviável de ser elaborado às pressas.
O art. 4º do Decreto 9.057 de 2017 é claro quanto à necessidade mesmo no ensino à distância, de atividade presenciais:
Art. 4º As atividades presenciais, como tutorias, avaliações, estágios, práticas profissionais e de laboratório e defesa de trabalhos, previstas nos projetos pedagógicos ou de desenvolvimento da instituição de ensino e do curso, serão realizadas na sede da instituição de ensino, nos polos de educação à distância ou em ambiente profissional, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais.
Assim, podemos concluir que o que os governos propõem não é EaD, mas simples conteúdo online dirigido aos(as) estudantes das redes de ensino. É importante destacar a diferença: enquanto o EaD requer polos para se realizarem os tutoriais e avaliações presenciais, para além dos conteúdos à distância, as atividades online propostas pelas Secretarias de Educação pelo país contemplam apenas conteúdos direcionados aos alunos, simplesmente “jogados” nas plataformas digitais. Enquanto a EaD requer um planejamento extensivo, com progressões no tempo pensadas e adaptadas a cada conteúdo e abordagem, o ensino online sequer pode ser caracterizado como ensino, uma vez que os/as professores/as não possuem formação nem planejamento para atuar nesse segmento. Dessa forma, não há, por falta de condições concretas para esse tipo de trabalho, um acompanhamento sério por parte do(a) docente daquilo que o(a) aluno(a) precisa em seu aprendizado. Como aprender assim? De repente, não mais que derrepentemente, todos viraram autodidatas?
O que fazer? O calendário civil e o calendário letivo
Com a pandemia, os governos decretaram a política de isolamento social, o que quer dizer que as pessoas devem se preservar, evitando aglomerações e interações físicas para evitar o maior contágio. Isso significou a suspensão das aulas presenciais. Em outras palavras, o calendário letivo, aquele que conta as horas e os dias necessários para tornar o ano letivo válido, precisará ser adaptado.
A LDB diz que o ano letivo não precisa coincidir com o ano civil.
Art. 47. Na educação superior, o ano letivo regular, independente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.
Uma recente decisão do Ministério da Educação e do Governo Federal modificou a exigência dos 200 dias letivos, por meio da Medida Provisória nº 934, relaxando a obrigatoriedade dos dias em razão da suspensão das atividades escolares enquanto durar a pandemia, enquanto reafirmou um requisito mínimo de horas letivas, totalizando 800h letivas para se cumprir o ano letivo.
Art. 1º O estabelecimento de ensino de educação básica fica dispensado, em caráter excepcional, da obrigatoriedade de observância ao mínimo de dias de efetivo trabalho escolar, […], desde que cumprida a carga horária mínima anual estabelecida nos referidos dispositivos, observadas as normas a serem editadas pelos respectivos sistemas de ensino.
Uma solução para a educação pode ser simples. Bastaria reorganizar o calendário letivo após o período de isolamento social. Mas isso precisa ser feito com gestão democrática da comunidade escolar, replanejando as atividades presenciais e organizando o ensino-aprendizagem conforme cada realidade social, observando os princípios da educação universal e de qualidade.
Fontes:
Constituição Federal: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
LDB: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htmD9057/2017:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9057.htm
MP nº 934/2020: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv934.htm
Deliberação CEE nº 376/2020: http://www.cee.rj.gov.br/deliberacoes/D_2020-376.pdf
[Artigo] Vigilância e Punição X Isolamento social
Por Enrico Barreto
Com o uso de aparelhos coercitivos, a elite tem se mantido no poder desde há muito tempo no Brasil e no mundo. A classe trabalhadora – historicamente explorada e controlada por esse sistema – é vítima dos diversos modos de vigilância e violência (seja ela pública, ou privada) quando tenta quebrar essa barreira social na busca por seus direitos.
Os primeiros casos de infecção por covid-19 detectados na província de Wuham, fortaleceram uma nova era de relações interpessoais e econômicas. Esta nova era epidêmica que atualmente estamos vivendo possibilita o aumento do grau de controle e vigilância sobre os corpos e, essencialmente, sobre suas formas de ação e trabalho. Tais formas de controle, desde há muito existentes, agora se intensificam. São câmeras de vigilância, de reconhecimento facial, celulares controlados remotamente por GPS, drones (quem sabe muito em breve bioships?) sendo utilizados por governos da Coreia do Sul, Israel, China, França, Espanha, Bélgica, Estados Unidos, Itália e Hungria com o intuito de controlar o movimento dos corpos, atuando – de forma invasiva – sobre sua autonomia e liberdade de ação.
Além do controle dos corpos, também há fronteiras fechadas, bairros, cidades, comunidades sitiadas. A um passo do controle sobre a mídia (Orbán, primeiro-ministro na Hungria, acaba de ter delegado pelo parlamento o direito a “governar por decretos”), temos governos desavergonhados que ensaiam seus interesses íntimos por poderes ditatoriais.
Em simultaneidade com tais limitações, há uma pandemia que ameaça atingir os socialmente “indesejáveis” de maneira brutal, como os(as) moradores(as) das favelas – muitos sem saneamento básico ou água – e, consequentemente, estabelecer uma “necessidade” de vigilância constante para impedir a sua disseminação entre as classes mais abastadas, responsáveis diretamente por trazer o covid-19 para estas terras.
Precisamos ter cuidado na maneira como lidamos com tudo isso. Ao mesmo tempo que é importante impedirmos a disseminação do covid-19, estamos dando brechas para que a caixa de Pandora se abra de forma irreversível. E de uma forma nova, quase distópica, onde as máquinas (que não possuem vontade própria ainda, diga-se) substituem o controle sobre os corpos de forma regulada, remota, podendo se tornar a moda pós-pandêmica. Não que isso já não tenha existido antes, mas agora pode se dar de forma mais intensa, virtual, e que pode não ter mais volta.
A infoproletarização, que já existe há algum tempo – não sem críticas -, se intensifica e essa é a principal solução imediatista(?) que o grande capital está retirando de sua cartola. São professores(as) e alunos(as) sendo controlados(as) remotamente por aplicativos e programas de ensino à distância, trabalhadores(as) de entregas e motoristas reféns de aplicativos de forma cada vez mais acentuada e precarizada e ainda expostos a um vírus mortal. Teme-se que muito em breve haverá trabalhadores(as) de telemarketing atuando em home office. Até mesmo ENEM digital já pretendem fazer este ano em um modelo-teste com 100 mil estudantes.
Projetos de exploração e intensificação do trabalho remoto sempre estiveram engavetados, só aguardando uma oportunidade para surgirem como solução emergencial em casos de guerra ou epidemia. Em prática há algum tempo em empresas como Uber, Rappi e Amazon; encontrados do norte ao sul do mundo, tais projetos têm servido parta criar um novo modelo de cyberproletariado controlado por aplicativos que pagam subsalários e exploram a classe trabalhadora através de ranqueamentos ou vigilâncias sobre o consumo. Nada para o capitalismo é perda, pois sabe muito bem se adaptar às novas realidades que aparecem nas adversidades. Em contrapartida, embora tenhamos uma sociedade faminta, desejosa por trabalhar para poder se alimentar e que também sabe se adaptar às adversidades em momentos críticos, não irá suportar tais abusos calada por muito tempo.
“Quem tem fome tem pressa”…
O iminente despertar da classe trabalhadora é o que tanto temem as elites. Não por acaso soluções liberais, como o neo-keynesianismo, ressurgem com força no discurso de muitos desses líderes mundiais. Temem revoltas populares, quem sabe revoluções. Por isso, farão de tudo para impedi-las. Aí é que reside o perigo, uma vez que, nos dias atuais de uso de celulares, não é muito difícil manter o controle sobre os corpos e suas vontades.
Através de geolocalização, os detentores de capital são capazes de descobrir nossos movimentos e através de aplicativos de vigilância podem controlar nossos acessos e conversas. Isso já vem sendo usado há anos, mas pode-se intensificar nesta era de caos pandêmico. Um líder político com desejos íntimos ditatoriais, como Viktor Orbán, ou o próprio Jair Bolsonaro, podem realizá-los em dois tempos. O primeiro-ministro húngaro teve apoio amplo do parlamento recentemente, já o brasileiro se encaminhava para isso quando foi pego de surpresa pela crise pandêmica.
Bolsonaro, enfraquecido politicamente neste final de mês de Março de 2020 por suas declarações e ações estapafúrdias e muitas vezes baseadas em distorções dos fatos em um momento de caos mundial, segue os passos de seu ídolo Orbán com o apoio das milícias estaduais, federais e militares que até há bem pouco tempo atrás estavam botando suas arminhas de fora. Também com apoio de uma elite branca, racista, além de setores cristãos corrompidos pela gana financeira, ou empresários enriquecidos nessa nova era de mamadeiras de pirocas e kit gays e antes mesmo desta nova era da pós-verdade, ele tenta acionar tais forças em seu favor. Esses apoiadores ainda o fazem em desespero, mas se limitando às redes sociais com seus robôs, projetos de milicianos, classe média branca, cristãos alienados, reacionários de toda espécie. Porém, seu destino, neste atual momento, é o isolamento e a queda.
As pessoas, isoladas, agora organizam-se localmente, em redes. O apoio mútuo e a solidariedade sempre existiram, mas nunca estiveram tão em voga. Assim sendo, bases pré-organizadas conseguem dar dois passos à frente no enfrentamento deste caos, apoiando aqueles mais necessitados e, numa corrente de apoio mútuo, chegando onde há o abandono absoluto do estado. O vigiar e o punir dos corpos indesejados, sempre existentes, ainda não se fizeram presentes de forma remota nessas bandas porque os governos foram pegos de calças arriadas ante a pandemia. Mas o desejo de que os trabalhadores e idosos morram, isto é, que sejam eliminados, não desapareceu das mentes sujas de uma elite chula e reacionária. E até intensificarem suas táticas de vigilância por dispositivos eletrônicos, disso não devemos estar muito distantes.
A classe trabalhadora precisa se reorganizar, adaptando-se a esta nova realidade e tendo ciência de que não é o capital que nos vai salvar. O capital, ainda desejoso de nossas almas, continuará a tentar nos endividar, nos mantendo preso à grande roda. As soluções trazidas à tona pela ala econômica ultraliberal do presente governo apontam neste sentido, liberando 1,2 trilhões de reais para bancos e acionistas e deixando a ver navios, até o momento, a classe trabalhadora, micros, pequenos e médios empresários, além de desempregados, pequenos produtores rurais e autônomos. Para impedirmos isso precisamos estar atentos e fortes em nossos locais de trabalho, bairros, ruas, cidades. Ajudando-nos uns aos outros, observando uma crítica às vontades individualistas e praticando o apoio mútuo e a solidariedade de classe. Isso poderá nos libertar dos grilhões.
Portanto, precisamos agir rápido. Mais rápido do que os poderosos para que a classe trabalhadora desperte. Antes que seja tarde demais e medidas mais duras de controle social sejam estabelecidas por aqui. Eles têm o controle das armas, do poder de punir, de nossos CPFs, mas não seriam muitas essas forças para impedir o avanço organizado de uma massa de milhões de trabalhadores famintos contra as fileiras milicianas sedentas por nosso sangue.
Na China, enquanto drones controlam a temperatura do corpo das pessoas, câmeras de reconhecimento facial incriminam inocentes e lhes dão ordens para que se retirem das ruas. Já no Brasil temos um governo terraplanista, motivo de piadas nacionais e internacionais que nega o perigo real do contágio e possível morte de milhares, quem sabe milhões, de pessoas ante a crise epidêmica. O que antes era tido como “cômico” por setores da sociedade, com suas opiniões absurdas e tidas como de um “bonachão” sem noção opinando sobre o que não sabe destrinchando preconceitos enraizados estruturalmente, agora deixou de ser em razão do covid-19. O isolamento de Bolsonaro, o imbecil reacionário, pode trazer por trás de si um movimento de se estabelecer um estado de sítio, grande desejo de militares de pijama e outras castas das mais asquerosas da elite nacional. Aquilo que o nosso vão presidente não conseguiu estabelecer pode ressurgir na imagem de um Mourão ou Moro da vida.
Nossas armas devem estar além do uso criptografado de tecnologias. Precisamos agir localmente, em um modelo de ações rápidas e coordenadas, para atacar o capital ainda um tanto perdido ante a crise pandêmica, que se reorganiza rapidamente e já cria soluções keynesianas e/ou totalitárias para ela. O momento é agora e uma oportunidade como essa não vamos ter em tempos, se é que vivenciaremos esses novos tempos, pois banqueiros, acionistas e empresários diretamente atingidos não querem perder seus lucros e seus(suas) escravos(as) de vista, sejam eles(as) controlados(as) por tecnologias, a nova (e antiga) principal tendência, ou mais diretamente, através do seu violento aparato militar e policial.
O que temos a bradar? Greve geral! Uma greve geral organizada e revolucionária, provando que é a classe trabalhadora quem mantém todo o sistema capitalista funcionando e que sem ela tudo rui, o poder da burguesia decai e se corrói. Se não pensarmos nessa possibilidade, numa organização solidária, de apoio mútuo, local (seja no bairro ou local de trabalho) e organizada regionalmente, pronta para a autodefesa e apontando a necessidade de quebra das correntes que nos prendem ao grande capital, estaremos fadados a ver muito em breve o estabelecimento de estados cada vez mais totalitários.
[Cultura] Entrevista
Por João Passos Moura
No primeiro número do nosso jornal buscamos fazer entrevista com trabalhadores(as) autônomos(as) da música que buscam sobreviver no cotidiano a partir de suas artes.
Em um país onde o trabalho artístico sempre foi, não só negligenciado pelo poder público, mas também culturalmente desvalorizado pela população a partir do senso comum, decidimos conversar com dois desses artistas que buscam viver das suas chamadas “GIGS” (músicos e musicistas que trabalham por cachê recebido quando tocam): o saxofonista e flautista Gabriel Pontes (@gabepontes) e a cantora e compositora Anna Lu (@annaluoficial).
Além dos obstáculos enfrentados cotidianamente por esses artistas, vivemos um período de pandemia do COVID-19 e isolamento social, o que faz com que muitas vezes esses artistas também sofram com a falta de oportunidade de trabalho. Confiram as entrevistas.
1) Quais foram e são os seus principais trabalhos nos últimos anos que mais renderam profissionalmente e em termos financeiros?
Gabriel Pontes: As aulas, tanto particulares como em grupo, acabam dando uma sustança mais ou menos estável pra maioria dos músicos, mas a minha realidade acabou sendo outra na maior parte da minha vida profissional. As aulas sempre foram um complemento de renda. A maior parte da grana sempre veio de shows. E aí por show estou me referindo à execução de música ao vivo em geral. De casamentos e bar Mitzvahs* até barzinho, passando por blocos de rua, concertos com orquestra, baile de forró, show com cantores(as), etc etc . Nos últimos dois anos o “salvador da pátria” foi o Unicirco Marcos Frota, na quinta da Boa Vista. Trabalho fixo com salário fixo. Uma raridade no nosso mercado.
* Bar Mitzvah é uma celebração judaica que marca a passagem de um(a) menino(a) para a maioridade dentro da tradição e passa a assumir responsabilidades religiosas.
![](https://rale.noblogs.org/files/2020/05/InShot_20200422_204443876-300x295.jpg)
Anna Lu: Os casamentos e eventos em parcerias com shoppings foram os mais rentáveis financeiramente. O lançamento da minha primeira música e clipe em 2017 fizeram com que eu me dedicasse à composição e à criação da minha própria obra.
2) Como é a realidade de quem vive (ou tenta sobreviver) de cachês na cena musical do Rio de Janeiro?
Gabriel Pontes: Não é fácil. Me considero um privilegiado. Mas a realidade é que existem períodos de muita seca no mercado. Eu me sinto sortudo demais por ter vários trabalhos sazonais. Toco forró, que salva junho, julho e agosto. Toco em blocos de carnaval, que salvam fevereiro e março, toco em banda de baile, que toca pingado o ano inteiro e geralmente faz show de réveillon, que acaba salvando dezembro e janeiro. Nos outros meses o corre é intenso. Além das aulas, rola de tudo. Barzinho, tocar na rua passando chapéu, evento corporativo, festa particular etc. O pagamento nem sempre é bom, o tratamento nem sempre é tão digno… Mas é possível. Tem que ralar bastante e não pode escolher trabalho. Tocar só o que gosta é para pouquíssimos. Quem quer pagar as contas e não vem de berço de ouro tem que aprender a gostar de tudo que é música. Eu não sei se existe algum gênero que eu nunca tenha tocado em nome de um trocado.
Anna Lu: Os cachês e condições de trabalhos dos músicos da noite do Rio de Janeiro vêm piorando desde meados de 2017. Muitos músicos optam por aceitar essas condições porque não têm escolha e acabam legitimando uma prática abusiva e desrespeitosa de trabalho. Muitos lugares pagam menos de R$100 por músico, alguns repassam bilheteria e ainda tiram um percentual em cima, não garantem o mínimo, não dão consumação, ajuda para o transporte, demoram para pagar e acham que estão fazendo um grande favor de oferecer um lugar para se tocar.
3) Como você acha que o público enxerga o papel do músico na sociedade? A sociedade o vê como trabalhador?
![](https://rale.noblogs.org/files/2020/05/Gabriel-Pontes-300x201.jpg)
Gabriel Pontes: O discurso varia muito né. De maneira geral vejo muita hipocrisia. Quem diz que admira e respeita, muitas vezes não quer pagar ingresso, chora preço de aula e de cachê, etc… E tem a galera que acha que músicos são vagabundos e querem vida mansa. Mal sabem eles das horas de estudos, ensaios e passagens de som e do peso que carregamos nas costas. Acham que a vida do músico se resume ao momento da apresentação. Nos últimos tempos escutei bastante uma frase que rodou na internet que magoou muito: “já precisei de médico, advogados e até motoristas, mas nunca precisei de artistas”. O irônico disso é que agora que estão todos presos em casa. Essas pessoas só não enlouqueceram ainda porque estão ouvindo música, assistindo filmes e séries, lendo livros, etc. – de nada, né? De qualquer forma, essa frase diz bastante sobre o que o público pensa sobre o quesito “papel na sociedade”, né? Eles consomem nosso trabalho, mas acham que não servimos pra nada. Então eu acho que o público enxerga que o músico leva a vida na flauta, com o perdão do trocadilho, não nos considerando trabalhadores de fato. Claro que existe quem nos valorize de verdade, mas meu feedback da sociedade de maneira geral é bem negativo.
Anna Lu: O público não tem noção das condições praticadas na noite e muitas vezes acredita que o músico já está ganhando um cachê justo e que a entrada ou o couvert são tipo uma gorjeta do garçom. A diferença é que a gorjeta é opcional e o couvert, desde que seja avisado ao cliente, é obrigatório. A questão é a informação versus achismo. As pessoas são pouco informadas e normalmente artistas como eu, que tentam fazer jus às leis, são tidos como chatos e prejudicados na hora de serem chamados para tocar por conta disso.
4) Já em relação aos tempos do trabalho com música no período da pandemia, de que forma os músicos autônomos estão conseguindo pagar suas contas?
Gabriel Pontes: Eu vejo o pessoal dando muita aula on-line, que é o que estou fazendo agora. Já vi um amigo fazendo uma live pra uma cervejaria e vejo todo mundo fazendo lives de suas casas mostrando seus trabalhos, debatendo música e etc. Provavelmente, a grande maioria o faz sem receber nada por isso. Apenas como uma maneira de se manter em evidência e não cair no esquecimento, imagino eu. A maioria daqueles que vivia de shows está realmente passando necessidade. Eu já recebi cesta básica, depósito de amigos na minha conta bancária e conto com meu pai para manter o condomínio em dia.
Anna Lu: Nesse momento da pandemia, vejo diversos amigos músicos sofrendo de ansiedade sem saber como vão comprar comida. A receita foi de X a zero de um dia para o outro e a maioria não possuía reservas, pois mal se consegue pagar as contas do mês com o que se ganha na noite. As lives ajudam um pouco, mas a quantidade de ofertas de lives e a falta de organização dessas iniciativas acabam dispersando o público. A maioria que assiste não colabora com couvert e ainda é precária a tecnologia com relação à essa demanda de trabalho.
5) Qual a sua visão do contexto durante e depois da pandemia? Você acha que as coisas vão voltar ao normal em termos de trabalho pós período de quarentena? ajustar
Gabriel Pontes: Agora, durante o período de afastamento social, ganha dinheiro quem tiver bons equipamentos em casa… home studio, computadores, e que possam produzir trilhas, jingles ou até participar de gravações de maneira remota. As aulas on-line dão uma desafogada também. Conseguindo mais alunos já dá para não morrer de fome. Digo isso porque o valor das aulas caiu muito né. Todo mundo teve algum desfalque na renda, ao que tudo indica. Depois da pandemia, permitidas as aglomerações e eventos, acredito que possamos voltar a viver da execução de música ao vivo. As grandes perguntas são: quando isso vai acontecer? O que fazemos até lá?
Anna Lu: Na minha visão, vai levar um bom tempo para as coisas normalizarem. Apesar de acreditar que este momento em que estamos vivendo deveria servir, antes de tudo, para questionarmos o que se dizia normal, que também estava precário, mas por falta de opção, principalmente fomentos à noite carioca, nós músicos estávamos sujeitos a esse cenário. Ninguém sabe ao certo quanto tempo levaremos nessa desconstrução do “normal”. Mas com certeza os impactos serão irreversíveis.
Tese geral da Rede Autônoma de Luta Pela Educação
15º CONGRESSO DO SEPE — RJ — 2017
PELA DEMOCRACIA DIRETA E UM SINDICATO FEDERADO NO SEPE-RJ
1. APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO
Somos um coletivo de educadores e educadoras, anticapitalistas, contrários a toda e qualquer relação de produção que gere opressão, desigualdades econômicas e sociais. Atuamos nas redes municipal, estadual, federal e em trabalhos de educação popular, junto a movimentos sociais em diferentes locais. Buscamos construir um movimento social, com forte atuação nos sindicatos de profissionais da educação, voltado para a construção de uma educação pública libertadora. Não possuímos vínculos partidários e muitos menos utilizamos as estratégias criadas por partidos políticos para gerenciar e dirigir os sindicatos como referências de organização sindical.
No modo de produção capitalista, a educação está indissociável à dinâmica do trabalho, voltada para abastecer um mercado de trabalho explorador de uma mão de obra não qualificada. Tem por objetivo atender oportunamente os interesses de empresas nacionais e internacionais, que visam gastar o mínimo com salários de seus empregados e lucrar o máximo com um mercado consumidor cada vez mais estimulado pelos meios de comunicação.
Compreendemos a educação como um conjunto de processos, formais e informais, de socialização de indivíduos. Entendemos que a educação pública é uma importante ferramenta para a construção de uma nova sociedade, horizontal, justa, com participação direta dos cidadãos nas decisões políticas e econômicas que deveriam reger nossa sociedade. A educação pública voltada para a classe trabalhadora necessariamente deve ser uma importante ferramenta de análise da sociedade capitalista e de seus estratégicos sistemas de ensino público e privado. As políticas educacionais são um importante referencial para a discussão e entendimento dos graves problemas da educação que enfrentamos em nosso cotidiano pedagógico.
Acreditamos que a luta por uma sociedade emancipada está atrelada à luta direta por direitos e melhorias para a classe trabalhadora, no entanto nosso objetivo principal é um mundo novo. Assim compreendemos a necessidade de análise da crise de representatividade pela qual o SEPE está passando nos últimos anos. Para refletirmos sobre a decrepitude da representação sindical, vivenciada pelos trabalhadores da educação no Estado e Município do Rio de Janeiro, é preciso entendermos como as conjunturas internacional e nacional influenciam direta ou indiretamente a educação pública.
2. CONJUNTURA INTERNACIONAL E NACIONAL
O fluxo de capital especulativo, dinamizado pelo encurtamento do mundo em função das supressões das fronteiras econômicas, a fluidez nas transferências instantâneas de recursos, promovidas pelas grandes corporações e investidores, a ilusão da participação popular através do voto eleitoral, acompanhados de violenta repressão governamental, fragiliza e inviabiliza a tentativa de trabalhadores de entender e atuar nas decisões políticas e econômicas do mundo em que vivem.
Em momentos de crise, de um canto ao outro do mundo, mercados sofrem injeções estratosféricas de capitais que evaporam e assim diluem as perdas daqueles que concentram a riqueza — a burguesia, os ricos, os empresários, e até mesmo o Estado. Nesse contexto, como é de se esperar, os acordos espúrios, as conexões políticas, esquemas bilionários de desvio de verbas públicas, as negociatas dos que estão no andar de cima, acompanham, viabilizam e fortalecem o processo de concentração financeira nas mãos da burguesia e empobrecimento da maior parte da população mundial.
Mesmo naqueles países em que se imaginava um capitalismo sem crises, homogêneo e sem contradições, no qual o “fim de história” era propagado, parecem hoje em dia sofrer os mesmos males da dinâmica de apropriação do Capital, sofrendo com as alianças das classes dominantes com os agentes políticos e seus tentáculos nos três poderes da democracia clássica.
A capacidade do grande capital de instrumentalizar a sociedade para manter inalterado o status quo parece estar em amplo processo de desenvolvimento, basta observar o avanço e a sofisticação dos aparatos de repressão e controle das populações. Até mesmo a informação, vitaminada pela capilaridade virtual, ultrapassa sua característica meramente lúdica, de entretenimento, e ganha uma roupagem inteiramente mercantil. De igual forma, a realização dos megaeventos internacionais, adornados pelos ditos “legados”, tenta encobrir as reais intenções das grandes corporações, que não é outro senão o lucro extraído dos trabalhadores. Constatamos esse processo em toda parte do mundo.
A Grécia, seduzida pelo canto do cisne da mudança gentrificadora, também implementada em Barcelona, hoje sucumbe, extorquida pelos países e grandes corporações da Europa Ocidental. Lembremos dos ataques aos trabalhadores dos setores públicos, aposentados e camadas mais fragilizadas da sociedade grega. Vale ressaltar que os campos progressistas, com suas atuações dentro do sistema, não parecem dar conta do imenso trabalho que é enfrentar a austeridade imposta pela Alemanha e a União Europeia.
Mesmo quando há questionamentos, investigações e denúncias de setores mais independentes da sociedade, estes não são suficientes para frear a ganância de governos e empresas. A África do Sul, por exemplo, sediou a Copa do Mundo de 2010 erigindo estádios nababescos em um país com problemas econômicos, políticos e sociais intensificados por instabilidades internas. Num país com futebol incipiente, as grandes corporações midiáticas, de engenharia e financeiras lucraram valores até hoje indecifráveis. Nos braços da população trabalhadora, resta o aumento do custo de vida e a perda de direitos dos trabalhadores. Bairros inteiros ficaram sem luz para alimentar a energia de estádios (atualmente “elefantes brancos”) em dias de jogos. Embora alguns operadores destas transações até tenham sofrido algumas sanções e perdido alguns de seus cargos, os grandes conglomerados e o grande capital continuarão com este modo de operação.
No Brasil, esse ajuste fiscal veio acompanhado da realização de megaeventos. No Rio de Janeiro aconteceram o Pan-Americano em 2007, Copa das Confederações em 2013, Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em 2013, alguns jogos da Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016. Os próximos megaeventos estão programados para a Rússia, sob fortes alegações de manipulação da escolha através de pagamentos ilegais; e Catar, com construções de estádios climatizados no meio do deserto feitos por mãos de trabalhadores estrangeiros asiáticos, em regime análogo a escravidão.
Na Espanha, a crise da bolha imobiliária de 2008, estimulada pela aliança especulativa dos setores do grande capital espanhol e alemão, dizimou o trabalhador. No oportunismo característico do braço econômico e político das classes abastadas, os ataques ao sistema de bem-estar social reverberaram a sanha daqueles cujos palácios mantiveram seus refestelados banquetes.
A indignação das famílias pobres, dos aposentados e trabalhadores desempregados, que viram seus lares confiscados por bancos, levou a manifestações homéricas, a uma situação político-partidária inusitada e ao mesmo tempo contraditória. Na medida em que esse quadro não contemplou a perspectiva da classe trabalhadora, pois não viabilizou um governo representativo dos anseios populares, a expectativa de reversão das nefastas reformas aprovadas, dentre elas a trabalhista, foi frustrada. Este é o modelo que atualmente atinge as trabalhadoras e trabalhadores no Brasil.
A brutalidade das forças que exercem o monopólio da violência do Estado está na ordem do dia. A rotina esmagadora contra a população negra teve repercussão mundial com os contínuos assassinatos de jovens afro-americanos por policiais estadunidenses. Mesmo durante o governo Obama, não houve, por parte do aparelho político, soluções para dirimir o extermínio do povo negro. Pelo contrário, as taxas de violência continuam em ascensão e a eleição de Trump ocasionou o recrudescimento de organizações fascistas e sectárias. Entretanto, setores autônomos continuam a se organizar no enfrentamento ao grande capital, com ações diretas como as do dia de sua posse, e no embate contra as crescentes marchas de caráter fascista, toleradas pela democracia representativa e seus partidos políticos.
As manifestações em favor das vidas da população afro-americana e contra a brutalidade policial, intitulada Black Lives Matter, se alastraram pelos Estados Unidos, suscitando debate e questionamentos na sociedade estadunidense, repercutindo pelo mundo. Em algumas cidades, a espontaneidade era um fator inovador, de modo que as forças de repressão, acuadas, nada podiam fazer. Novamente, nenhum setor da democracia representativa conseguiu expressar a revolta mais articulada ou organizar qualquer mudança por dentro do sistema.
Mais do que nunca, é importante relembrar dos ataques contra a organização e conscientização dos trabalhadores da educação na sociedade. Há tentativas de controle da atuação dos trabalhadores da educação em larga escala ao redor do mundo. Órgãos de fiscalização de governos estimulam denúncias de educadores considerados “subversivos” nos EUA. Trabalhadores da educação foram encarcerados em massa no início do ano letivo na Turquia, acusados de serem colaboradores do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, o PKK. Propostas de mudanças nos currículos escolares turcos com a supressão do ensino da teoria da evolução dão o tom do ataque à liberdade de ensino e docência. Professores sírios eram decapitados pelos grupos do Daesh (Estado Islâmico) nos territórios ocupados se não se submetessem aos seus ditames, que incluíam a privatização das escolas de ensino básico, além de severas restrições quanto a gênero e laicidade. Estes educadores, quando da retomada dos territórios, sofriam novamente perseguições por colaboracionismo.
No Brasil, o famigerado projeto de lei “Escola sem Partido”, que de apartidário nada possui, busca circunscrever a escola dentro dos moldes repressores do aparelho estatal, numa lógica denuncista e vigilante da atuação docente.
Nunca poderemos esquecer de Ayotzinapa e os 43 normalistas assassinados pelas forças de repressão mexicanas com participação dos políticos da cidade, e até hoje desaparecidos. A repressão tem uma causa explícita: a consciência e compreensão de classe social de que o regime de democracia representativa é incompatível com os desejos de liberdade e igualdade dos trabalhadores. Vem do México também os belos exemplos advindos dos territórios autônomos de Chiapas e suas escolas rebeldes.
Como sabemos, só a luta muda a vida, e esse panorama exposto nas linhas acima, não vem sem seus anteparos e antíteses. Grande parte, se não a totalidade, das soluções para a crise da Islândia veio da negação do povo em delegar pleno poder à democracia representativa. Ao tomar as rédeas de seu futuro, o povo islandês rejeita a cartilha da União Europeia e das grandes corporações. Com democracia direta, decisões coletivas e participação efetiva nas deliberações políticas, a autonomia irrompe no horizonte como possibilidade real de organização social.
Exárchia, bairro da capital grega, tem sido exemplo de resistência e busca de construção de uma sociedade agregadora e autônoma, que propicie ao povo uma vida sem opressões. Do papel de resistência aos ataques repressores do Estado após os Jogos Olímpicos de Atenas, ao embate contra a perda de direitos, Exárchia dá seu exemplo na prática: recebe refugiados, presta assistência social e organiza serviços abandonados pelo Estado, como hospitais e escolas, estabelecendo relação de apoio mútuo e autogestão, enfrentando as facções fascistas do Aurora Dourada e a capitulação do Syriza à Alemanha e à União Europeia.
A agenda neoliberal comandada a nível internacional por órgãos como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), dentre outros, e articulado dentro e pelos Estados, é central para entendermos o motivo pelo qual em diversos países acontecem reformas com o intuito de fortalecer o arrocho salarial e a perda de direitos conquistados pela classe trabalhadora a nível global e local.
Importante reforçar que as conquistas por direitos da classe trabalhadora foram arrancadas ao longo da história por meio de ações diretas, mobilizações de diversas categorias, solidariedade de classe entre sindicatos, trabalhadores em greve e movimentos sociais em geral.
No Brasil após 2013, depois das gigantescas marchas e protestos pelo país que ficaram conhecidas como Jornadas de Junho, é cada vez mais evidente a existência de uma crise de representatividade referente à política institucional, onde partidos políticos de diversas ideologias, estão a cada ano que passa sendo mais questionados por sua real representação na democracia que vivemos. Um exemplo é o crescimento do número de votos nulos, brancos e abstenções nas últimas eleições.
3. CONJUNTURA DA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO
Após anos sem uma mobilização maciça, a rede municipal do Rio de Janeiro deflagrou uma greve de grande adesão no ano de 2013. Foram 77 dias de luta (de 8 de agosto a 24 de outubro) contra a precarização do ensino público municipal, terceirização de serviços e contra o plano de metas do governo Eduardo Paes e sua secretária de educação Claudia Costin.
Foi uma greve de massas, com fechamento de quase 100% das escolas. As Jornadas de Junho, o intenso levante popular daquele mês histórico, permaneceu firme, de pé, até aquele outubro de 2013, onde tivemos diversas manifestações públicas de insatisfações contra a situação em que os trabalhadores municipais da educação se encontravam. Alcançamos algumas conquistas, principalmente a retomada da capacidade de mobilização da rede municipal quando convocada a lutar, comprovando que um sindicalismo revolucionário se faz necessário nas formas de atuar do SEPE e que sua estrutura precisa ser modificada.
A batalha da Câmara Municipal no dia de votação do plano de carreira do funcionalismo público municipal, o 15 de Outubro, quando 64 ativistas foram presos ao final do dia, deixou bem claro que os servidores não estavam ali para fazer figuração. Os vereadores, protegidos por grades e portões trancados para impossibilitar a entrada dos trabalhadores da educação na Câmara, contou com intensivo aparato militar, impedindo que o povo tomasse aquele estabelecimento que supostamente representa a democracia.
Lamentavelmente, a direção sindical burocratizada e distante da base lutou pelo fim da greve em diversos momentos, dando enfim desfecho àquele belo ano de lutas encaminhando sua suspensão — não sem polêmicas — no dia 24 de outubro de 2013.
Ainda que com profunda sensação de vitória frente às lutas travadas, a greve de 2013 terminou com perseguições políticas a trabalhadores da educação. A falta de respostas propositivas por parte do governo municipal e o entendimento de que a ação do sindicato deveria mudar terminou por ocasionar a continuidade do movimento em 2014, quando no dia 7 de maio foi decidido dar prosseguimento às lutas deflagrando uma nova greve no dia 12 do mesmo mês. Os “acordos” do SEPE com o governo não tinham sido cumpridos e havia, junto a isso, um sentimento de “revanchismo” da base radicalizada da categoria, que aderiu em massa ao novo calendário de lutas. Se, por um lado, não com o número expressivo de grevistas do ano anterior, por outro, de forma contundentemente combativa.
À esta altura, na rede municipal o sistema 3.0 já havia sido implementado, um sistema online de lançamento de presenças, notas e conteúdos. Este modelo, utilizado em diversas redes privadas e públicas (inclusive estadual, com o Conexão Professor), é a forma privilegiada de controle estatístico dos alunos, contribuindo para a conformação de dados que, entre outras funcionalidades de controle e vigilância, servem de base para o IDEB, avaliação que segue o modelo antipedagógico do PISA, estabelecido pela hegemonia neoliberal da OCDE.
Ao contrário do Conexão Professor, para o qual existe uma deliberação sindical contrária a seu uso — ainda que a ação proposta pelo SEPE na primeira instância da justiça tenha sido derrotada, continuamos a boicotar de forma política –, na rede municipal não vimos o mesmo empenho e o 3.0 segue vigente, com relativo “sucesso” nas escolas que possuem internet wifi e netbooks disponíveis. Nas que não possuem, assim como no estado, os professores têm executado dupla função de trabalho, lançando notas em papel e, depois, tendo que lançá-las online no 3.0. Isso demanda tempo do professor, que não vê seu 1/3 de planejamento cumprido pela secretaria municipal de educação, como determina a lei.
Na rede municipal nos vemos envolvidos com ainda outro modo de precarização e terceirização do ensino: a implementação nas escolas do projeto “Acelera” (dividido em ciclos que vão do fundamental I ao fundamental II). Este projeto, na época “apoiado” pela Fundação Roberto Marinho (FRM, hoje este projeto se encontra nas mãos da prefeitura), era avaliado por esta organização, que aplicava provas, fornecia DVDs dos anos 80 e 90 do telecurso 1º grau (que é voltado para adultos, e não para crianças e adolescentes do município, além de totalmente ultrapassados), “livros didáticos” resumidos suspeitíssimos e, ainda pior, com um único professor elencado pra lecionar todas as disciplinas (atraídos pela “dupla”, onde podem melhorar seu salário), sendo este julgado e avaliado constantemente pela FRM.
Neste projeto, ainda em prática, os alunos considerados indesejados pela escola (repetentes e/ou ditos com defasagem idade/série) passam a receber aulas precárias em módulos (dois por ano) com o objetivo de os formarem o mais rápido possível. O que, numa lógica capitalista de modelo educacional, favorece à formação limitada de mão de obra para o mercado de trabalho pois, quanto maior o número de trabalhadores pouco especializados disponíveis, maior a concorrência entre eles e menor o salário.
As(os) profissionais de educação do primeiro segmento do ensino fundamental da rede municipal vem perdendo toda sua autonomia pedagógica ao longo dos últimos anos, sendo esta intensificada a partir da gestão de Eduardo Paes até nossos dias. As Administrações não cumprem as leis previstas sequer na LDB ou na Constituição Federal, e desrespeitam toda sorte de acordos feitos entre a entidade representante dos trabalhadores da educação (SEPE) e as secretarias de governo. As(os) professoras(es) do primeiro segmento do ensino fundamental sofrem com a falta de recursos pedagógicos, excesso de serviços burocráticos e assédio moral entre outros absurdos decorrentes da negligência do município com a educação.
A precarização é constatada a olhos nus e vista até mesmo em sua superfície. Um dos maiores problemas a que estão submetidos as(os) professoras(es) de primeiro segmento é a falta de material pedagógico básico para realização de um trabalho de qualidade que dê aos educandos a base necessária para recepção de conceitos fundamentais a uma formação cidadã, como preconizada pela Lei nº: 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) — trivial, porém revelador, como sequer a própria legalidade estatal é cumprida pelo próprio “Estado de Direito”.
Nos primeiros anos do ensino fundamental, o aprendizado se dá de forma lúdica, e, para isso, é imprescindível a utilização de materiais que permitam a realização dessas tarefas. Como se não bastasse a escassez de material, a péssima qualidade das apostilas também dificulta o fazer pedagógico da(o) professora(o), haja vista os inúmeros erros encontrados nos cadernos pedagógicos, textos fragmentados, atividades engessadas que impedem um aprendizado com autonomia e, consequentemente, diverge da proposta de uma educação para cidadania.
Como se não bastasse a precarização desses recursos, o excesso de serviços burocráticos, como planejamentos anuais, semestrais, reavaliações bimestrais, preenchimento de diários de classe, relatórios de alunos, além do já mencioando Escola 3.0, sobrecarregam os e as educadoras do chão da escola. A bem da verdade, esses serviços visam apenas a satisfação de interesses da prefeitura, mascarando resultados e transferindo para as(os) profissionais toda a responsabilidade dos fracassos no processo de aprendizagem dos educandos. Para darem conta dessa demanda, além de sofrerem assedio moral por parte das direções das unidades escolares e das coordenadorias, profissionais acabam impedidos de planejar verdadeiramente suas aulas, prejudicando a qualidade do ensino.
O descaso com a educação, por parte da prefeitura, não para por aí, o descumprimento de leis nacionais e municipais, bem como dos acordos feitos com a categoria através do SEPE é mais uma forma de impedir o êxito da educação pública. É comum o descumprimento de leis como, por exemplo, o inciso III do artigo 205 da Constituição Federal que garante “o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Desse modo, a inclusão desses representa uma farsa para a sociedade.
Há um tempo uma inclusão formal e uma exclusão velada. Sob o mesmo ponto de vista, o 1/3 de planejamento, previsto no art. 2, parágrafo 4 da Lei n. 11.738/2008, não é respeitado pela Secretaria Municipal de Educação, ferindo ainda o artigo 3º, inciso VII, da LDB que garante a “valorização do profissional da educação escolar” reduzindo, como já supracitado, o êxito na qualidade do ensino.
A apostilização da rede é hoje um fato, com o emprego generalizado de “cadernos de resumos” distribuídos em todas as escolas. Além de indicar um duplo gasto da Secretaria de Educação com materiais didáticos (pois as escolas da rede municipal não deixaram de receber milhões de livros didáticos enviados pelo MEC), as apostilas também servem para “padronizar o ensino” nas disciplinas de Ciências, Matemática e Português, considerados pela OCDE disciplinas básicas para um trabalhador formal executar seus serviços no Brasil (e em todo o mundo, modificando-se apenas a língua nacional, já que segue os critérios do PISA). As provas bimestrais da prefeitura, que servem como uma das principais formas de avaliação do IDEB nas escolas, seguem o que está estabelecido nestas apostilas. Isso impede o professor destas matérias praticar sua Autonomia Pedagógica em sala de aula, já que as escolas precisam bater a “meta” do IDEB para conquistar um 14º salário (que neste ano de 2017 deixou de existir com a gestão Crivella na prefeitura do Rio, gerando certa “revolta” na categoria proletarizada, não absorvida pelos setores sindicais engessados das direções do SEPE).
Quando se trata de livros escolhidos pelo MEC, vale ainda ressaltar que tais livros fazem parte do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). Antes de chegar às escolas para serem escolhidos pelo corpo docente, os livros passam por um sistema de triagem de quesitos técnicos e físicos estabelecidos pelo edital. Após tal triagem, realizada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, os livros passam por uma avaliação pedagógica realizada por especialistas de cada área de conhecimento.
É a meritocracia estabelecida na rede tendo como “pano de fundo” uma real precarização do ensino, com seus sistemas de ciclos, aprovação automática “disfarçada” de conceitos (I, R, B ou MB) e continuidade de um método engessador das matérias consideradas essenciais (Português, Ciências e Matemática), que precisam seguir suas “apostilas”, limitando a prática pedagógica.
Cabe salientar que as apostilas de História e Geografia deixaram de existir no ano de 2014, já que estes professores, costumeiramente mais combativos, boicotavam estes libretos, impedindo, assim, que houvessem provas bimestrais da prefeitura destas matérias..
Ainda assim, na área de inglês, os professores raramente podem utilizar os livros aprovados pelo PNLD, pois recebem semestralmente os livros produzidos pela Learning Factory, editora de livros que pertence à empresa Cultura Inglesa. Sabe-se que em 2014, a prefeitura realizou um contrato milionário com a Cultura Inglesa, que não só fornece os livros de inglês ao município, mas como também realiza capacitações semestrais para professores de inglês dentro das próprias sedes. Sendo assim, os professores são obrigados a sujeitar-se à capacitações resultantes de parceria público privadas que nada contemplam a realidade pedagógica da rede pública.
Na rede municipal também há “eleições diretas” para diretores, mas com candidatos pré-estabelecidos pela secretaria municipal de ensino. Os grêmios estudantis são em sua maioria cooptados pela direção, o que impede os discentes de lutarem por seus interesses de uma forma mais contundente contra a situação crítica das escolas. Em face disso, presenciamos uma categoria que adormeceu após a greve de 2014, com uma durabilidade menor (terminou em 27 de junho), e que foi duramente açoitada pelo governo de Eduardo Paes, sofrendo descontos absurdos em seus contracheques. Muitos destes professores até o ano de 2016 ainda recebiam descontos desta época, o que resultaria, infelizmente, no afastamento de diversos docentes combativos da luta nos anos subsequentes.
A greve de 2014, que tinha por meta causar impacto frente ao ano de Copa do Mundo realizado no Brasil, sofreu duros ataques com a prisão de 23 ativistas nas vésperas da final, que aconteceria no Rio de Janeiro. Entre os presos, 3 professores da rede estadual extremamente combativos que ainda hoje respondem por esta arbitrariedade imposta por uma instituição imperialista que faturou bilhões com a Copa (FIFA) e com um governo federal que aceitou estas condições criminalizando manifestantes e emprestando sua Força Nacional para auxiliar o governo estadual do Rio de Janeiro em sua violência repressora contra as insatisfações populares (governos estes que eram aliados na época). Esta Copa, a Copa da vergonha, não ficará marcada apenas pelo incrível 7 a 1 aplicado pela Alemanha em pleno estádio do Mineirão, mas pela arbitrária prisão de 23 trabalhadores e estudantes que estavam lutando por direitos e contra a exclusão social que aquela competição representava e tudo o mais que tinha em torno de si. Seus líderes, ou estão presos, ou respondendo a processos por desvio e favorecimento ilícito de bilhões de reais dos cofres públicos.
Em 2015, a rede municipal, temerosa e ainda sofrendo duros descontos referentes à greve de 2014, estagnou-se; não sem lutas, mas sem um movimento paredista que destoasse do senso comum de silenciosa revolta. Tal como na rede estadual, os golpes governamentais foram sendo desferidos, e, diante de um sindicato aparelhado e inerte, o reflexo na categoria se deu com a mera “satisfação” com o salário sendo recebido em dia. Foi assim ao longo do ano das Olimpíadas e, agora, no oitavo mês de 2017 e com um novo prefeito, a situação só tende a piorar, com ameaças de cortes inclusive entre pensionistas e, posteriormente aposentados do serviço público municipal. Até chegarem aos da ativa. Não se pode esquecer que foi exatamente assim que os ataques contra a classe trabalhadora se iniciou no funcionalismo público estadual.
Enquanto o “legado” olímpico afunda na inexistência, os ataques se perpetuam também contra os terceirizados e servidores da rede municipal de saúde.
Acusações são feitas contra o ex-prefeito Eduardo Paes que em nada resultam, pois ele se encontra nos EUA desfrutando de vida nababesca; anúncios da atual prefeitura de déficits no Previ-Rio na faixa de 2,6 bilhões de reais são propagados na imprensa como num roteiro nacional de uma mentira que é contada mil vezes até tornar-se verdade. É imperioso que a rede municipal do Rio de Janeiro desperte para a possibilidade de futuros ataques. É preciso preparar-se. É necessária maior ação do sindicato nas redes municipais de ensino.
Propostas para a Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro:
● Fim do sexto ano experimental;
● Afastamento imediato de todas as empresas terceirizadas que possuem ligação com a Secretaria Municipal de Ensino;
● Extinção das provas bimestrais e eliminação dos “conceitos”, que nada mais são que aprovações automáticas disfarçadas;
● Concurso público para todos os segmentos de trabalhadores das escolas;
● Fim do Projeto Acelera e suas derivações em parceria com empresas privadas nas escolas;
● Salas de leitura com bibliotecários concursados;
● Fim dos ciclos;
● 1/3 de planejamento para todos as(os) educadoras(es);
● Equiparação salarial entre 40, 30, 22/5 e 16 horas;
● Limite de alunos por turma (10 nas séries iniciais, subindo gradativamente pra 15 no sexto ano, 20 no sétimo, 25 no oitavo e 30 no nono ano).
4. CONJUNTURA DA REDE ESTADUAL DE ENSINO DO RIO DE JANEIRO
O ano de 2009 representou um marco para a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. Após o Estado da Copa e das Olimpíadas obter a penúltima colocação no sistema de ranqueamento nacional do IDEB — Índice de Desenvolvimento da Educação Básica criado em 2007, um processo de reestruturação da rede é delineado em parceria com diversas empresas que expandiram a sua atuação para o campo educacional, dentre elas destacadamente a empresa Falconi Consultores de Resultados.
Custando cerca de R$20.379.899,00, segundo dados do Portal da Transparência do Governo, a consultoria junto a esta empresa foi responsável por implantar na rede pública estadual um sistema de gerenciamento que envolveu: a confecção de um Plano de Metas para a educação, um sistema de bonificações por resultados, enquanto um estímulo positivo para os trabalhadores que melhor se conformassem a nova proposta educacional, a definição da meritocracia como valor a ser proliferado, inclusive através dos processos seletivos internos, que fortaleceram a estratificação da nossa categoria de acordo com preceitos de mercado.
A definição de um currículo mínimo, o fortalecimento de sistemas online de gestão da informação, como o sistema Conexão Educação (que garante rapidez nas tomadas de decisão da SEEDUC e permite a política de otimizações de turmas, turnos e escolas), a criação de um índice de medição próprio do estado, o IDERJ e o IDERJINHO (adequados a metodologia IDEB e PISA-Programa Internacional da Avaliação de Alunos), acompanhados da criação de avaliações externas que supostamente mediriam a qualidade da educação, como o SAERJ e o SAERJINHO (que somam custos para elaboração no valor de R$33.614.3903,25, no período final de 2009 a início de 2016), e a criação de programas para correção de distorção idade-série, como o programa Autonomia desenvolvido em parceria com a Fundação Roberto Marinho, e que custou ao estado cerca de R$11.294.462,00, de 2010 a 2013, em compra de materiais do “Telecurso 2000”.
Mas fundamentalmente essa parceria rendeu um sistema de gestão para o chão das escolas que ficou pouco conhecido da categoria, a Gestão Integrada da Escola — GIDE, que incorpora métodos empresariais, como ciclo PDCA (planejar/desenvolver/conferir ou acompanhar/corrigir ou padronizar) para a solução de problemas, responsável por gerar ainda mais trabalho para as direções escolares e docentes, fundando outra função social para os espaços escolares.
Agora, a escola mais produtiva, o trabalhador que incorpora os preceitos do gerenciamento e do empreendedorismo, e os estudantes que devem se adequar à formação por habilidades e competências empresariais antes mesmo de terem noção sobre a historicidade dos conhecimentos produzidos socialmente, formam a tríade que sustenta uma concepção de “escola-empresa”.
Toda esta forma de controlar cada vez mais estreitamente os processos formativos e o trabalho no cotidiano escolar vieram cercadas de decretos, resoluções e portarias que buscaram forçar a adequação aos preceitos empresariais. Contudo, a aparência democrática da política garantiu o toque final que nos confundiria a todos.
O estímulo ao colaboracionismo dentro das escolas, difundindo o fazer pedagógico como “amor” irrestrito a profissão e propagando o trabalho voluntário como forma de salvar a educação de sua crise construída, aliado a criação de instâncias participativas, porém não deliberativas, dentro dos espaços escolares, como os conselhos escolares, conselhos fiscais e os grêmios estudantis adequados às normatizações da SEEDUC, garantiram que toda a racionalidade e pragmática próprios do gerencialismo se consagrassem via convencimento e adequação para a atuação por dentro das regras criadas.
Cabe destacar, ainda, que o intuito da criação de todo esse sistema gerencial, com controles visíveis e invisíveis sobre os trabalhadores, vem sendo vendido junto ao discurso da luta pela consagração de uma suposta “qualidade da educação”, tão almejada por diversos movimentos sociais — ao mesmo tempo que, efetivamente, tem aprofundado processos de mercantilização da educação, que torna a educação um campo produtivo e lucrativo a ser explorado pelo interesses capitalistas, e processos de mercadorização, que transforma conhecimentos, livros e pessoas em mercadoria.
Diante de todo este quadro, que não se aplica somente a rede estadual, mas que surge de uma demanda de grandes corporações organizadoras do capital em nível mundial, como o FMI, UNICEF, e o Banco Mundial, que inclusive mantém contrato firmado com o Estado do RJ para implementação de sistema de gestão para a qualidade através dos Programas PRÓ-GESTÃO I e II, muitos de nós não sabemos ao certo as melhores estratégias de atuação, embora sintamos na pele as consequências deste projeto para a educação.
Estamos adoecendo cada vez mais, exonerando cada vez mais e nos cansando cada vez mais de lutar, justamente porque estamos trabalhando e sendo controlados cada vez mais. Tal precarização, objetiva, mas também subjetiva dos trabalhadores da educação precisa ter um basta! E neste sentido, nós estamos tentando resistir, com as poucas armas que temos, fundamentalmente através da atuação sindical e da organização de espaços de resistência no “chãos das escolas”.
Se formos pensar no contexto estadual, entre os anos de 2009 e 2017, o Rio de Janeiro entrou em greve cinco vezes. Nesse período diversas redes de ensino públicas de municípios do Estado do Rio de Janeiro também procuraram resistir aos ataques dos governos locais contra os direitos da classe trabalhadora da educação.
Em 2013, junto à greve da rede estadual, participamos de uma greve em que a Rede Municipal do Rio de Janeiro aderiu ao movimento com 80% de adesão após um interregno de 19 anos, ganhando contornos históricos não só pelos motivos citados, mas principalmente por coincidir com as Jornadas de Junho de 2013, evento singular na memória recente do país.
Em 2014 construímos outra greve unificada entre a Rede Estadual e a Rede Municipal do Rio de Janeiro, ambas extremamente combativas, porém desmanteladas ativamente por setores da direção do sindicato, mais preocupados em blindar o governo federal, apoiar os megaeventos e/ou organizar os processos eleitorais de seus partidos e seus respectivos representantes na nossa democracia burguesa, negligenciando deliberadamente a luta da classe trabalhadora da educação. Ainda assim, apesar de todos os contratempos, perseguições a militantes e sabotagem de partidos políticos aliados ou adequados aos interesses do capital, a greve de 2014 foi a última que conseguiu arrancar um reajuste salarial para os profissionais da educação do Rio.
Já em 2016, a Rede Estadual entrou novamente em greve, presenciando uma ampla e significativa adesão da categoria, inclusive no interior. O que antes era acusado, por dentro do sindicato enquanto “movimento de vanguarda”, agora se apresentava, consensualmente, enquanto movimento de massa. Contando, ainda, com a força do movimento estudantil organizado, através da ação inspiradora de ocupação de mais de 60 escolas da rede estadual, além de regionais metropolitanas e da Sede da Secretaria de Estado de Educação, arrancamos algumas pautas pedagógicas históricas, como os processos consultivos para direção escolar e o retorno (gradual) de dois tempos de sociologia e filosofia em todas as séries do ensino médio.
A exoneração do Secretário de Educação, 30 horas semanais de trabalho para funcionários administrativos das escolas, em detrimento das antigas 40 horas, e o fim da avaliação externa (SAERJ) foram outras marcas desta greve que, ainda assim, não conseguiu encerrar com o período de congelamento dos nossos salários, muito menos com os atrasos e cortes.
Diante de todo esse contexto de tão duros e intensivos ataques contra a categoria, resistimos, porém nos esgotamos em nossa atuação. O cansaço nos rostos é visível, tanto quanto o descontentamento com a atuação das atuais frações que comandam o sindicato nos tempos atuais. Por isso, consideramos fundamental propor alguns encaminhamentos para a luta da categoria que possam fazer avançar este estágio.
Propostas para a Rede Estadual de Educação do Rio de Janeiro:
● Lutar pelo caráter deliberativo dos conselhos escolares;
● Promover processo de formação política junto às atuais direções de escola recém eleitas;
● Implementar campanhas, inclusive de ação direta, com vistas a tornar efetiva a medida do 1/3 de planejamento, através da orientação da categoria para o trabalho em sala de aula de somente 2/3 da nossa carga horária;
● Aprofundar a discussão, informar e lutar contra as políticas gerenciais-empresariais nas escolas;
● Promover campanhas pelo fim do trabalho precarizado e pelo concurso público.
5. CONCEPÇÃO SINDICAL: A NECESSIDADE DO FEDERALISMO
Presenciamos um momento crítico no qual diversos direitos trabalhistas e sociais estão sendo atacados. As respostas das instituições sindicais pelo mundo, incluindo América Latina e Brasil estão sendo insuficientes nessa correlação de forças. No Rio de Janeiro as políticas que atacam toda a classe trabalhadora, tem avançado de forma acelerada nas últimas décadas. Na educação tais ataques em forma de reformas não estão fora desse contexto.
Frente a toda essa conjuntura o SEPE-RJ deveria desempenhar um papel central no sentido de frear essa política agressiva do Estado voltada para a educação. Precisa estar cada vez mais preparado para enfrentar o governo e defender verdadeiramente a escola pública. Nosso sindicato precisa se reorganizar internamente para se fortalecer e renovar as formas de luta de acordo ao contexto que enfrentamos sempre. É cada vez mais necessário discutir, debater e enfrentar a burocracia sindical. Mas acima de tudo temos que avançar nas propostas de um sindicato cada vez mais democrático, plural, classista e que ataque toda e qualquer forma de opressão que atinge a classe trabalhadora — não só da educação — e movimentos sociais em geral.
O SEPE é uma dos maiores sindicatos da América Latina. Está organizado em regionais na cidade do Rio de Janeiro, núcleos pelos municípios do Estado do Rio de Janeiro e SEPE Central. Organizado de forma estatutária. Suas eleições para direção central, regionais e núcleos são realizadas de acordo com o princípio da proporcionalidade. Possui aproximadamente 60 mil filiados.
É o sindicato com maior capacidade de mobilizar trabalhadores no Estado do Rio de Janeiro. No entanto a participação dos filiados nas atividades do sindicato é baixíssima, quando comparamos o número de filiados e também os profissionais da educação que estão na ativa. Nas últimas eleições do sindicato, votaram apenas 16 mil filiados. Sendo que o número de votantes é superior ao número de filiados que participam regularmente das atividades do sindicato.
As assembléias estão cada vez mais vazias. A categoria não se sente mais representada pelo SEPE. Somente diretores do SEPE Central, de regionais, núcleos e militantes freqüentam as atividades do sindicato efetivamente.
A metade dos filiados do SEPE é composta por aposentados. Apontamos o percentual aproximado de 60% a 50% de aposentados entre os filiados do sindicato. Nas décadas de 1980 e 1990 o SEPE era fortíssimo. Os aposentados, outrora na ativa, eram participantes ativos das atividades sindicais.
Os constantes ataques do governo estadual do RJ aos aposentados não encontram resistência alguma. Tal fato poderá acarretar em grande número de aposentados desfiliados em breve. A arrecadação financeira irá diminuir com o decorrer dos anos e o sindicato não vem construindo políticas e meios de se estruturar financeiramente, caso aconteça um grande número de desfiliações.
Os novos profissionais da educação das redes estadual e municipal do Rio de Janeiro não possuem o interesse em acompanhar as atividades do SEPE. Possuem uma forte resistência em se filiar ao sindicato. A descrença com o SEPE é grande. A ideia de sindicato aparelhado por partidos políticos é desprezível para os novos profissionais da educação. Notoriamente o sindicato está cada vez mais distante da categoria e com grande dificuldade de renovação.
O enfraquecimento gradativo do SEPE resultará na total inércia e consequentemente no fim do sindicato. Não adianta a direção do sindicato criar hipóteses mirabolantes e hipócritas para culpar os coletivos apartidários do sindicato como causadores do fim do mesmo. Estes são acusados de serem agressivos e selvagens. Essas acusações tem por objetivo isolar a oposição a esse modelo sindical decrépito. O objetivo é afastar ainda mais a categoria. Pois o sindicato se torna um lugar exclusivo para militantes políticos partidários disputarem o aparelhamento do SEPE.
O sindicato morre quando a categoria não se sente mais representada por ele. A lógica sindical de luta se enfraquece quando seu setor financeiro entra em colapso e fica obscuro para a categoria. Além disso, o SEPE-RJ se torna obsoleto quando o governo o ignora, não o respeita, não o leva a sério, não o teme. A política de conciliação com o governo torna-se infrutífera quando o governo é truculento e não quer negociar nada. Daí as teatralizadas reuniões com governo não trazem resultados concretos e a direção do SEPE precisa convencer a categoria de possíveis futuras conquistas, que nunca acontecem.
Nós da R.A.L.É., entendemos que a estrutura e o funcionamento político do sindicato necessita passar por uma mudança estrutural, tanto em seu formato, quanto na sua concepção em geral.
Acreditamos que a discussão entre majoritariedade e proporcionalidade é importante, mas insuficiente para que possamos transformar o SEPE-RJ numa via de lutas, enfrentamento às políticas que nos prejudicam enquanto profissionais da educação.
Propomos como uma saída viável e menos burocrática para avançarmos, um formato de federalização dos núcleos e regionais. Achamos necessário dar maior poder a essas esferas de ação, incentivando uma filiação em massa da categoria, propondo uma rotatividade maior entre seus diretores que poderíamos chamar de delegados. Com uma maior autonomia dos núcleos e regionais, buscando incentivar conexões entre os mesmos quando próximos, com atividades de formação política, permitindo que membros da base da categoria possam fiscalizar e acompanhar as atividades sindicais.
É preciso fortalecer e construir fóruns de base da categoria, formação política nas regionais e núcleos, rodas de discussão sobre questões emergenciais, como política educacional do Estado na última década, assédio moral e direitos garantidos que o Estado até hoje não cumpre, como o 1/3 de planejamento.
Será a partir de uma orientação política realizada de baixo pra cima, com democracia operária e direta, a partir das escolas, indo para regionais e núcleos, e esses só deliberariam algo a partir de propostas já sendo fomentadas e discutidas nas escolas e comunidades escolares, que vamos mudar de fato o imobilismo do sindicato. Só assim o SEPE será de fato um sindicato que representa a categoria e não aparelhado por partidos que se dizem de esquerda mas que na maioria das vezes conciliam com a direita, e não avançam no básico: no enfrentamento da luta de classes contra o governo!
Outro ponto que o SEPE-RJ necessita incentivar é o fortalecimento dos comitês escola-comunidade, dando poder para a base da categoria. Assim a política de chão de escola não ficaria distante do sindicato, coisa que vem ocorrendo faz tempo. Com diretores e diretoras que só passam para deixar materiais em período de greve ou semana de assembleias, ou então para divulgar pautas de seus partidos ou correntes políticas.
Com esse formato sindical cremos que a democracia direta se efetivaria, realizada de baixo para cima, partindo das escolas e seus membros, com suas demandas, com as delegações de núcleos e regionais acompanhando, trocando experiências e vivenciando o cotidiano das escolas locais. Ou seja, não apenas sendo mero representante de “boca” ou cabresto político para votar em assembleias gerais, mas um braço de apoio dos profissionais da educação frente ao cotidiano de assédios morais, abusos de direções escolares, dentre outras coisas.
O SEPE-RJ também precisa de fato colocar em prática outras concepções e atividades que estão no estatuto, como seminários de formação política, solidariedade mais efetiva e não só em “notas de apoio ou de repúdio” a outros movimentos sociais. É necessário construir redes de apoio mútuo entre movimentos não só da educação — incluindo estudantes nesse caso –, mas de outras categorias da classe trabalhadora. Devemos fortalecer a luta junto a movimentos como os sem-teto, sem-terra, e de pautas identitárias. Essas redes de solidariedade são fundamentais para que o SEPE-RJ não fique isolado. O sistema e as políticas de ajuste fiscal, em favorecimento a uma classe e casta política são as mesmas há décadas.
Dentro dessa perspectiva, precisamos avançar no debate e combate às opressões, não só de classe, mas também de gênero, raça ou LGBT. Para isso acreditamos que o debate sobre interseccionalidade precisa ser promovido no dia-dia da categoria. A classe trabalhadora da educação em sua maioria é formada por mulheres, boa parte delas negras. Ou seja, não é suficiente colocar a questão de classe acima das demais, afinal as opressões de gênero e racial são muito presentes em nossa categoria e perpassam todas as lutas. Dialogar e debater, de forma não hierárquica, mas de maneira conjunta e complementar essas pautas é incentivar, em outras palavras, a questão interseccional no seio das atividades do sindicato.
Se pretendemos construir um sindicato combativo e com uma política classista, que também paute por questões como gênero, raça e LGBTs, é necessário uma concepção sindical realmente compromissada com os interesses e com a organização dos profissionais da educação, superando o ranço conciliatório dos interesses de classe próprios da atuação político partidária sobre os movimentos sociais e sindicatos.
Acreditamos ser importante reforçar, mais do que nunca, a horizontalidade entre os trabalhadores e o trabalho em rede, mais coletivo na prática, menos personalista e sem direcionamento voltado aos interesses das instituições alinhadas à ordem representativa burguesa. No que diz respeito ao SEPE Central, sua direção deveria ser eleita em conselho deliberativo, no qual os representantes de núcleos e regionais escolheriam seus representantes para compor uma direção que atuaria durante um ano. Após esse período, uma nova direção seria escolhida através do mesmo processo, no qual as regionais e núcleos reunidos decidiriam por qual política seguir. Este é um ponto central no sentido de se descentralizar as decisões do SEPE, tornando o modelo federativo aplicado como deveria ser. Descentralizando e federalizando, tornamos o SEPE um sindicato mais atuante diante das particularidades locais que nem sempre podem ser respondidas por um SEPE Central, centralizado e rígido em si mesmo, aparelhado por partidos políticos e suas correntes respectivas correntes.
Propostas para o SEPE:
● Garantir estrutura e organização de mulheres, movimentos LGBTs, indígenas e movimentos negros para a atuação dentro do sindicato;
● Promover discussão sobre a judicialização da luta e sobre perseguição política interna ao próprio sindicato;
● Implementar efetivamente o orçamento participativo já contido no atual estatuto;
● Lutar pela efetivação da Escola do SEPE.
● Construir de fato as conferências estaduais, tornando-as instrumentos efetivos de debate e luta.
● Nossas propostas para o Estatuto do SEPE-RJ, das mudanças em sua organização às alterações na redação, encontram-se em nossa tese específica.
ASSINA ESSA TESE A REDE AUTÔNOMA DE LUTA PELA EDUCAÇÃO (R.A.L.É.)!
Carta de Princípios da Rede Autônoma de Luta pela Educação
Anticapitalismo
Somos anticapitalistas porque somos contrários a toda e qualquer forma e instrumento de produção e reprodução de desigualdades em nossa sociedade. Utilizamo-nos da história para compreender que, na materialidade, as relações econômicas e de poder foram criadas, ao mesmo tempo em que foram criadas as ideias, as estruturas e as leis de nossos tempos. E que, sendo criadas em meio a disputas de interesses e visões de mundo, consideram a luta entre classes sociais distintas: os exploradores e os explorados, os opressores e os oprimidos, os privilegiados e os submetidos pela força e pela persuasão.
Tamanha é a intensidade destes antagonismos que, ao longo da história, investiu-se ao máximo para escondê-los, camuflá-los, propagandeando a existência de igualdade, ao mesmo tempo em que se reforça uma política de marginalização da maioria. Na realidade da vida, no cotidiano de nossas ações e pensamentos, no transporte, na saúde, educação, na moradia, no acesso aos bens da cidade, inevitavelmente sentimos o peso destas contradições, em formato de sentimento de injustiça. Mas impõe-se a cada dia uma escolha. A escolha da aceitação, e da manutenção do poder dos coronéis de sempre, ou a escolha do enfrentamento — escolha que implica minimamente em nos reconhecermos unidos enquanto trabalhadores e trabalhadoras que somos, e organizados na luta contra a exploração e a opressão do capital.
Diversos são e sempre serão os instrumentos de poder desenvolvidos pelos privilegiados do mundo. Esconder que por detrás do aparente preço das coisas há trabalho, e que por detrás do trabalho há produção de mais-valor; que o poder emana da propriedade privada; que o objetivo central da exploração é a acumulação de capital; que, seja no campo ou na cidade, trabalhadores são assassinados em massa, perseguidos e presos; que somos coisificados permanentemente, ao mesmo tempo que mercadorias se tornam valorizadas tão mais que sujeitos; que se constrói a aparência de escolha para uma vida inteira de cartas marcadas; que por detrás da ideia de mérito, moram o dinheiro, o tempo, o incentivo, a rede de amizades, o acesso a bens materiais e imateriais, de forma geral; que existem aparelhos estatais e não-estatais criados para a manutenção de hegemonia; dentre tantas outras estratégias construídas e reproduzidas ao longo dos séculos pelos capitalistas, são fundamentais para que pensemos numa forma de existir no mundo com base exclusivamente nos parâmetros do capital, e em nenhum outro mais. Pensar e agir, portanto, por fora da caixinha, acreditar que outra sociedade é possível, para além destes preceitos, construir um outro mundo aqui e agora, é não tão somente seguir princípios anticapitalistas, como essencialmente se constituir enquanto ser revolucionário, ser emancipador de uma vida, por hora, tão somente mercantil.
A cada novo golpe contra o muro que nos foi imposto, uma nova rachadura nascerá, até que o muro inteiro desabe ao chão.
Objetivo e caráter da R.A.L.E.
Nós, da R.A.L.É — Rede Autônoma de Luta pela Educação, somos um movimento social sem vínculos partidários que unifica indivíduos e grupos a partir dos princípios de nossas ações e de deliberações táticas coletivas que nortearão, em parte, a política a ser desenvolvida. Nossa arena de luta se dá sobre o campo da educação, por compreendermos este campo enquanto um conjunto de processos, formais e informais, de socialização de indivíduos, outrossim, de maneira indissociável a dinâmica do trabalho, enquanto fenômeno social localizado no contexto histórico que vivemos, e portanto no contexto do modo de produção capitalista. Afinal, como a classe trabalhadora vem sendo educada nas escolas públicas, e para quê? Como a classe trabalhadora vem sendo educada fora dos espaços escolares? Que tipo de experiências podem contribuir para o despertar de uma análise política, econômica e histórico-crítica sobre a nossa sociedade? Que tipo de trabalho vem sendo exigido dos profissionais da educação? Como os funcionários técnicos, administrativos e terceirizados vem sendo tratados nestes espaços? Como eles vêm sendo incorporados nas organizações e na luta por direitos trabalhistas? Qual o papel da organização sindical e dos movimentos estudantis na luta de classes? Absolutamente todas estas questões nos interessam, em especial, como a luta política também se constitui enquanto um momento fundamental e libertador de aprendizagem, mediante às investidas do capital pelo ensino permanente da disciplina, do apassivamento e da docilização dos oprimidos e oprimidas. Desta maneira, buscamos agregar em nosso movimento a pluralidade de experiências e vivências na educação, e uma postura permanente de respeito e acolhimento às questões colocadas internamente pelos seus membros, bem como externamente. Visamos, enfim, aprender uns com os outros, com as contradições que nos estão colocadas pela estrutura sócio-econômica, com o momento histórico (sem perder de vista a sua relação com o horizonte de transformação radical dessas mesmas estruturas) e, sobretudo, visamos propagar ecos de solidariedade e organização de classe.
Nesse sentido, consideramos os sindicatos como instrumentos fundamentais que contribuem para a organização, mobilização e fortalecimento da luta da classe trabalhadora, desde que articulados com os movimentos sociais populares. Tanto devem atuar dentro de uma perspectiva interseccional, combatendo as opressões de gênero, raça e classe, dentre tantas outras formas de opressões, como devem buscar articulações com os trabalhadores/as terceirizados, informais e desempregados.
Interseccionalidade
Esta forma de analisar a dinâmica das relações entre os indivíduos e grupos diferentes nos é importante fundamentalmente porque: 1) politiza o cotidiano comumente naturalizado; 2) compreende que diferentes tipos de opressões podem se acumular, aprofundando os abismos das desigualdades e gerando relações de privilégios que precisam ser consideradas nas análises conjunturais e estruturais. Em linhas gerais, a perspectiva interseccional defende que, necessariamente, para se compreender um acontecimento ou uma prática, é preciso compreender a relação entre os fenômenos relativos ao âmbito do poder que recaem sobre a mesma. Assim, as questões relativas ao debate de gênero e sexualidade, as desigualdades raciais e os conflitos de classe necessariamente precisam ser compreendidos na sua relação e interseção, não cabendo a nós a defesa de que uma opressão é mais importante ou impactante que outra (hierarquização de opressões) ou muito menos afirmar que, resolvendo-se uma destas, como a questão de classe, quase que imediatamente as demais questões opressivas poderiam ser superadas, em consequência.
Desta forma, por meio da perspectiva interseccional, o nosso coletivo ratifica o compromisso de contribuir para o combate de qualquer forma de opressão, compreendendo que isto requer exercício e vigilância permanente de nossa parte para conosco mesmo, e o compromisso de desenvolver uma análise dialética entre os âmbitos individual, de classes e estruturas, visando fundamentalmente superar o ciclo reprodutivo das opressões e da exploração capitalista. Será somente de maneira a unir estas diferentes pautas, respeitando-se o protagonismo destas diversas expressões da luta por uma sociedade mais igualitária, ao invés de fortalecer somente a lógica de cada um no seu quadrado, que avançaremos nos processos de transformação estrutural. Interessa-nos, portanto, o olhar e a prática interseccional sobre os espaços escolares e pedagógicos em geral, sobre o espaço sindical e de movimentos sociais, e sobre nós mesmos enquanto indivíduos que procuram fazer caminhar o horizonte.
Relação entre coletivo (comprometimento e cumprimento de acordos) e autonomia individual
A fim de funcionar na prática de maneira coesa e solidária, de modo que cada pessoa do grupo se sinta parte e se enxergue nele, consideramos que o coletivo deve assegurar, na mesma medida, a autonomia das pessoas (liberdade individual) e o cumprimento dos acordos e deliberações coletivas (responsabilidade coletiva).
A autonomia, considerada também como um princípio, é fundamental para a expressão das singularidades de cada pessoa, e do respeito para que atue de acordo os seus interesses e possibilidades. Para tal, consideramos níveis diferentes de comprometimento em relação a cada tipo de deliberação coletiva: se é uma formulação estratégica do grupo de atuação no sindicato, as pessoas envolvidas naquele sindicato devem comprometer-se; ao mesmo tempo, pessoas que atuam em outros sindicatos têm autonomia para avaliar se aquela estratégia cabe em sua atuação ou se a conjuntura ou as circunstâncias exige outra. Por outro lado, se a deliberação coletiva envolve a segurança do grupo, por exemplo, todas as pessoas devem seguir.
Desta maneira, acreditamos que o coletivo se fortalece em laços apoiados em princípios éticos libertários, onde cada pessoa reconhece em sua companheira ou companheiro a confiança necessária para lutar lado a lado, também respeitando-a(o) diante de suas limitações e fortalecendo sua luta, que também é sua luta.
Apoio mútuo
Pode-se dizer que a ideia de apoio mútuo afirma-se enquanto uma característica que perpassa toda e qualquer relação social — dos seres humanos às diversas espécies de seres vivos — , constituindo-se como uma estratégia de sobrevivência e de cooperação para benefício mútuo de grupos e espécies. Enquanto um grupo de educadores e educadoras militantes que busca construir, em âmbito coletivo, bases de princípios para fortalecer a autonomia política diante dos sistemáticos ataques à classe trabalhadora, procuramos desenvolver teórica e praticamente a noção de apoio mútuo como elemento fundamental para a construção e ação do coletivo. Reforçar o apoio mútuo entre nós trabalhadoras e trabalhadores, nesse sentido, é buscar fortalecer estratégias de construção de mecanismos de resistência autônomos e classistas, dentro do campo da educação e movimentos sociais.
Autogestão
A autogestão é o princípio organizativo da RALÉ. Em uma verdadeira democracia participativa e direta, todos os membros terão direito à opinião, voz e ação. Não havendo hierarquias, deve estar sempre presente entre nós o respeito e apoio mútuo, necessários para uma dedicação às tarefas autopropostas e a um convívio pleno. Será proveniente, portanto, de cada indivíduo o possível esforço para se dedicar às nossas pautas e demandas, sem necessitar subjugar qualquer outro indivíduo para tal fim.
Método de deliberação: Consenso
Como método deliberativo, pretendemos o consenso. Nos casos em que não se chegar em consenso, deve-se prosseguir pela via do dissenso e consequente construção do consenso sobre o ponto na reunião seguinte. Caso na segunda reunião não seja possível, leva-se para uma terceira. Caso na terceira reunião também não seja efetivada a deliberação pendente, utiliza-se, excepcionalmente, o recurso do voto.
Federalismo
Por princípio político, adotamos o federalismo. Acreditamos que baseando-se na descentralização das ações podemos potencializar nossa atuação política. Pelo fato de somarmos esforços militantes de três redes de ensino públicas distintas (federal, estadual e municipal), de escolas em locais diversos e de realidades igualmente diferentes, acreditamos que a melhor ação é a atuação com autonomia em nossas escolas e regiões, e, a partir daí, levar as demandas ao grupo e esse agir de forma solidária a partir de políticas, atividades e apoio, de sorte a fortalecer nossas ações enquanto coletivo, assim como as demais lutas cotidianas no chão da escola, sejam estas associadas diretamente ao coletivo ou não.
O federalismo pode ser entendido como uma organização oposta ao centralismo, caracterização política a partir da qual partidos e demais organismos de viés partidário-eleitoreiro se orientam. Acima de tudo, o federalismo propõe certa soberania aos grupos ou sujeitos para atuarem nas demandas locais de trabalho, pressupondo que demandas imediatas requerem respostas em tempo hábil. A autonomia nas decisões locais aliada à solidariedade do coletivo reforçam o caráter classista que propomos, a um só tempo, como base e horizonte.