Por Júlio Dória
A formação da comunidade Quilombola Cafundá Astrogilda teve o seu início há aproximadamente 200 anos atrás (tirar). Alguns aspectos estruturais que estiveram presentes nos anos iniciais de sua formação, no século XIX, ainda se encontram presentes na complexa teia de solidariedade e de autogestão que caracterizam este território localizado na vertente sul do Maciço da Pedra Branca, no bairro de Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Em meio às permanências e continuidades históricas, a manutenção e valorização das tradições e costumes afro-brasileiros são marcantes e de grande interesse na e para a comunidade. O apreço a sua própria história, bem como o empenho na preservação dos valores ancestrais da comunidade, se relacionam com as preocupações do cotidiano, principalmente aquelas voltadas para o empoderamento de seus jovens e adultos que precisam lidar com as demandas políticas, econômicas e sociais de natureza local ou nacional.
Nesse sentido, a comunidade Cafundá Astrogilda construiu no ano de 2018 uma escola autônoma e autogestionada objetivando atender as suas necessidades e interesses. Com uma metodologia própria baseada em conceitos e princípios oriundos da pedagogia libertária e uma tradicionalidade afro-brasileira, a Escola Quilombola Cafundá Astrogilda invoca uma perspectiva ao mesmo tempo complexa e particular da prática pedagógica. Oficinas extracurriculares, aulas construídas a partir dos saberes e fazeres tradicionais, aulas com as mulheres e homens mais velhos da comunidade, entre outras práticas, estão estruturadas no Projeto Político Pedagógico dessa escola.
Como não seria possível adotar velhas soluções para uma nova e específica realidade, a capacidade organizativa e intelectual dos quilombolas de Vargem Grande suscitou a necessidade de ressignificação dos saberes veiculados para a comunidade que eram e ainda são apreendidos em outros espaços – obviamente, fora dela. Por isso, a construção de uma escola própria que atenda não somente às necessidades práticas e materiais da comunidade se fez urgente, mas também, se(tirar) é igualmente necessário e fundamental a reorganização dos saberes bem como se reconhecer e ser reconhecido como um espaço de produção de conhecimento tradicional e formal capaz de construir o seu próprio local de ensino e aprendizado.
Que se inicie o combate ao epistemicídio e surjam novas formas de saberes e aprendizados baseados no que é importante para nós, que venha de nós e que ao menos para nós, faça sentido! Dessa forma, o sentido comunitário de uma escola não deve se circunscrever somente ao ensino e aprendizado voltados para a compreensão dos códigos e signos socioculturais, mas também deve se voltar para a própria comunidade, que neste caso se encontra em diálogo e reconhecimento de seu lugar dentro da diáspora africana. Não é à toa que o espaço de sociabilidade criado pela escola possibilitou o atendimento médico, terapêutico e o fortalecimento das relações sociais locais.
Por fim, também é importante ressaltar que durante a pandemia a escola tornou-se um centro de captação e redistribuição de recursos para a comunidade, além de funcionar como espaço de fabricação de máscaras e alimento para distribuição na comunidade e favelas do bairro.